
O pesquisador Airton Fernando Iepsen, pela Pragmatha Editora, publicou recentemente o livro “Pomeranos em São Lourenço do Sul: narrativas, memórias e tradições”. Licenciado e mestre em história pela Universidade Federal do Rio Grande, ele faz um passeio pela saga do povo pomerano. Nesta entrevista, ele fala sobre o processo de pesquisa e feitura da publicação. Confira:
Como surgiu a ideia do livro?
Na verdade a ideia do livro não é de hoje. Ao iniciar o curso de Licenciatura em História pela Universidade Federal de Rio Grande, depois de apresentar trabalhos de pesquisa, especialmente relacionados à História Oral e a Memória, surgiu uma primeira ideia. Porém, nos anos seguintes, entre 2015 e 2018, a graduação ocupou muito de meu tempo. E nem bem havia passado um ano da formatura e surgiu a oportunidade de um Mestrado na área. Não pensei duas vezes em me candidatar ao processo seletivo, e aprovado, dei início a mais uma etapa de estudos. Com a pandemia, os dois anos regulamentares viraram três. Entendo que o mestrado, as pesquisas realizadas, o relatório antes denominado dissertação, além de um documentário em duas partes, produto final do pós me concederam muito material que poderia ser compartilhado. Claro, que depois do mestrado, o desafio era um doutorado, aí bem mais complexo. Desisti desse projeto. E, a partir daí, o tempo foi usado na antiga ideia: o livro.
Do que a obra trata?
Bom, a partir da decisão de publicar um livro (apesar de ter feito toda a minha formação à distância, sempre preferi a obra física, com seus tons, seu cheiro característico), tinha duas opções para a escrita: o primeiro, sobre o meu trabalho final de mestrado, com o título Uma narrativa acerca da religiosidade e crenças do povo pomerano em São Lourenço do Sul. Porém, entendi que o final do mestrado ainda era muito recente e resolvi dar um tempo para esse relatório, apesar de entender que estes devam ser explorados e mais compartilhados, saindo da mesmice dos repositórios das universidades. Porque normalmente um leigo não os acessa, mas somente pesquisadores que estejam à procura de subsídios para seus trabalhos. Então, a ideia foi uma segunda opção. Sou articulista voluntário do semanário eletrônico que circulava (em junho encerrou as atividades em função da doença do editor na Alemanha) chamado Folha Pomerana Express. Este semanário, que circula somente de forma virtual (exceto em algumas regiões dos Estados Unidos), tem como foco publicações sobre o povo pomerano, antiga província prussiana que como ente federativo não existe mais, uma região que hoje foi dividida entre Alemanha e Polônia, pelos vencedores da II Guerra Mundial. Desde 2017 publico meus artigos na Folha Pomerana Express, porém tem um espaço limitado para os trabalhos. Assim muitos temas (publiquei mais de vinte trabalhos) acabavam resumidos em função do espaço. A partir daí, a ideia de expandir os trabalhos, além disso, inserir neles trabalhos de livros publicados, além de artigos científicos. Porque estes também acabam tendo seu acesso reduzido. Claro que esta foi a primeira parte porque ainda tem mais material a trabalhar. Aliás, com estudos para a próxima etapa.
Como foi o processo de pesquisa?
Bom, o processo de pesquisa se deu em duas vertentes: as entrevistas, uso da história oral e evidentemente o uso da memória. Além disso, também me servi de uma ampla pesquisa bibliográfica temática. Encontrei bastante gente se colocando à disposição. E alguns que entenderam não achar em condições de ajudar. Por incrível que pareça, quanto menor o grau de instrução, maior a vontade de colaborar. Sou muito grato a todas as pessoas que forneceram subsídio, através de depoimentos, e também material exemplo, imagens. Nesse sentido quero destacar minha esposa Doralice, que sempre se interessou pela história de sua família. E formou um bom acervo que foi aproveitado nesse trabalho muitas vezes.
Como foi o processo de inspiração e escrita?
Desde o começo da graduação (comecei com 58 anos), sempre senti que fim da madrugada e parte da manhã era o período aonde conseguia desenvolver melhor os temas. No trabalho de escrita do livro, não foi diferente. Majoritariamente de manhã, alguma coisa à noite, especialmente quando não precisava desenvolver temas mais complicados. Nunca na parte da tarde. E a minha inspiração foram minhas origens, o povo pomerano que chegou a São Lourenço do Sul a partir de janeiro de 1858, com muitas levas de imigrantes oriundos do norte da Europa. Bisavô que chegou pouco mais que bebê no Brasil, avós deram duro e conquistaram e conservaram seu patrimônio material e imaterial. Tradições vividas com eles. Apesar de não falar alemão nem pomerano, as lembranças de um tempo quando criança de ver os avós descendentes de pomeranos madrugar, tirar leite das vacas, e enquanto o café não estava pronto, a prosa em pomerano acompanhada claro, do chimarrão. Sem esquecer daquele momento de beber leite direto na mangueira logo após a ordenha. Adoro minhas origens e meus antepassados. Respeito muito, porque viveram períodos difíceis e se superaram. E nos deixaram um legado exemplar. De família, de valorização da natureza, de respeito aos animais, além é claro de um patrimônio físico. Além disso, não posso esquecer daquela que me ensinou a ler, escrever e incentivou no gosto por História e Geografia: minha tia, minha madrinha e primeira professora, Ivanir Peglow Bender, a qual ainda hoje posso abraçar e beijar. Uma querida.
A quem a obra se destina?
O início da obra já dá uma pista. Claro que os descendentes de pomeranos são destinatários. Porém, entendo que o trabalho não é específico para estes. Compartilhar temas históricos em especial do município de São Lourenço do Sul, talvez endereçado à comunidade escolar (desde que haja um interesse, e aí ressalto, sem a ótica do ranço político) como História Local. Quantas crianças conhecem a história do canto coral no seu município? E quem, jovem, tem conhecimento das hostilizações que os povos germânicos sofreram durante a II Guerra Mundial? Para ficar nesses dois exemplos. Além disso, muitas tradições de que abordo no livro não existem mais ou estão em fase de extinção. Incrivelmente, hoje, com a facilidade de se documentar costumes e tradições, não me parece que as famílias sigam passando de geração para geração. Material impresso e digitalizado ficam disponibilizados, e com certeza não se perderão.
Qual o seu objetivo com a publicação?
Bom, em primeiro lugar seria omisso se não afirmasse que a satisfação pessoal é importante nesse contexto. Mas o trabalho vai muito além de uma satisfação pessoal. Conforme já coloquei em questões anteriores, obviamente que o trabalho é uma pesquisa e o consequente registro de pesquisas que realizei e ainda realizo. Por isso, este livro é o início do trabalho de publicação. Porque na área de documentário já tenho dois trabalhos publicados no YouTube (na página Pomeranos em São Lourenço do Sul). E um em andamento sobre a importância da língua e cultura pomerana em São Lourenço do Sul, via lei Paulo Gustavo. Então, a ideia é divulgar o povo pomerano, e aí ressaltando que é um trabalho específico sobre os pomeranos da Serra dos Tapes, onde estão os municípios de São Lourenço do Sul, Turuçu, Canguçu, Arroio do Padre, Morro Redondo e Pelotas, região que abriga uma das maiores colônias de descendentes pomeranos no estado do Rio Grande do Sul. E que nós fazemos parte. Ainda tem muita coisa para pesquisar e registrar, seja na forma de documentários, impressos, enfim, para que essa linda história não se perca no tempo. Tem muito documento, muita imagem escondida em fundo de uma gaveta, amarelado pelo tempo. Cabe a nós, historiadores, pesquisadores e escritores, seguirmos esta tarefa e achar estes tesouros. E aí, parafraseando Marc Ferro, que consta no início de meu trabalho: […] “Quanto a nós historiadores, precisamos reescrever a história, hoje e sempre; mas uma história com várias vozes, escrita coletivamente” (MARC, Ferro, 2017, p. 180).
28/04/2025