Um cão enorme guardava a porta

     Um cão enorme guardava a porta na qual deveria bater a campainha para fazer a entrega. Sentado na moto, ficou olhando para ele, quieto, observando seus movimentos.

     — Mas que droga essa — falou — fazem uma cerca na casa, mas não fazem um portão, nem colocam uma campainha. Como se pode fazer uma entrega sem saber a reação desse cachorro?

     O belo exemplar de Pastor Alemão continuava lá, a princípio sem reação nenhuma, mas olhando-o com cuidado, indiferente às palavras de Luiz.

     Nunca enfrentara uma situação igual àquela. Os cachorros normalmente avançavam com ferocidade, ou abanavam o rabo. Sabia lidar com qualquer das duas situações, sempre com um portão ou muro entre ele e as feras.

     Esse, porém, estava quieto, estático. Já podia tê-lo atacado se quisesse, o caminho estava livre. Sua imobilidade assustava muito e a essa altura esperava um ataque furioso. Acionaria a moto e umas quadras adiante telefonaria para a dita casa.

     Resolveu olhar para o cachorro da mesma forma, quieto, sem movimentos, só olho no olho. Talvez funcionasse e a fera desistisse, latindo e chamando os donos.

     Só rosnou mostrando os dentes afiados, elegante e altivo dono de si. O máximo que fez, depois de rosnar, foi ficar com a língua de fora como se estivesse com calor e sede.

     Para surpresa de Luiz, um gato chegou perto dele, encostou-se e ficou se esfregando, embora o cachorro continuasse a olhá-lo com firmeza, sem desviar os olhos, sem dar a mínima para o gato.

     Quinze minutos e nada mudava naquela cena. Luiz desceu da moto, precisava fazer alguma coisa, tinha outras entregas para fazer, não podia se atrasar tanto.

     Abriu sua caixa de entregas e retirou a pizza de calabresa que fora encomendada. Olhou para o cachorro e viu o rabo balançar, era evidente que o faro dele era excelente, mas não se afastou da porta.

     — Oi cachorrinho, está com fome? Me deixa chegar na porta e teu dono te dá um pedaço, concorda? — Falou olhando para o cachorro ao mesmo tempo que ouviu um grito.

     — Oh! Da pizza! A entrega é aqui desse lado da rua, estou esperando há meia hora e você brincando com essa vira-lata.

     Luiz foi até o outro lado da rua, entregou a pizza, dizendo que o número que lhe haviam dado era da casa da frente.

      — Minha casa não tem número, ignorante, tive que dar uma referência.

     — Desculpe, ninguém me avisou e eu não podia adivinhar. Quem é o dono daquela casa e do cachorro?

     — É uma cadela nojenta — o cara falou — e o dono morreu há umas semanas. Ninguém quer aquela cadela. É de muito mau humor, cuida do gato, da casa e de dois filhotes, ninguém chega perto e parentes do velho ainda não apareceram para ver a casa.

     Luiz recebeu o dinheiro, colocou o capacete e foi fazer as entregas seguintes. Quando ia sair do trabalho lembrou do cão pastor, da forma como abanara o rabo ao cheirar a pizza.

     Voltou e pediu uma pizza de calabresa, colocou na sua mochila de entrega. De relance pegou duas garrafas vazias e encheu de água. Rumou até o endereço.

      A cachorra não estava na frente, mas assim que entrou no pátio com as garrafas de água, uma lata e a pizza na mão, deparou com ela rosnando para ele. Sentou-se no chão, bem devagar, com as pernas cruzadas.

     Primeiro derramou água numa lata e empurrou devagarzinho para o lado dela, depois com movimentos bem leves abriu a pizza e jogou um pedaço até onde ela alcançava.

     A cachorra pegou o pedaço de pizza e sumiu. Luiz ficou ali, quieto no lugar, cortou com as mãos a pizza em pedacinhos pequenos, comeu um pedaço e esperou.

     Não demorou muito e ela voltou acompanhada de dois cachorrinhos e um gato preto cujo pelo brilhava, assim como o dos cachorrinhos. Aproximou-se dele, puxou a caixa de pizza para um pouco mais longe e deu um latido.

     Os três avançaram nos pedaços. Pareciam estar com muita fome. Devagar, a cachorra pegou um pedaço para ela, sentou-se e comeu. Nem olhou para Luiz.

     Lamberam a caixa e depois, igual a chefe, tomaram água que estava mais perto de Luiz, que calmamente abriu a outra garrafa e encheu novamente a lata.

     Já estava escurecendo. A cadela latiu e a gata, como se fosse da matilha, acompanhou os cachorrinhos para algum esconderijo atrás da casa. A cachorra se aproximou de Luiz, cheiro-o e depois lambeu a sua mão.

     Estava iniciada uma longa amizade.

Por Verena Rogowski Becker

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Texto integrante do projeto de exercício literário proposto pela Pragmatha Editora em suas redes sociais. Participe! Em caso de dúvida, converse com a editora Sandra Veroneze pelo e-mail sandra.veroneze@pragmatha.com.br