Spoiler: “O assaltante bonzinho”, de Helena Manourany em “As Brumas de Pelotas”

A escritora Helena Manjourany publicou pela Pragmatha Editora a obra “As Brumas de Pelotas”. A obra é uma coletânea de trabalhos desenvolvidos pela autora ao longo da vida e revelam seu encanto pelo mistério sempre vívido de uma das cidades mais antigas do Rio Grande do Sul, Pelotas. Suas narrativas emprestam acontecimentos aos cenários clássicos da cidade e convidam o leitor a um mergulho no jeito de ser e estar no mundo deste chão construído por imigrantes. Mas nem tudo é ficção em sua obra. Um exemplo é o texto “O assaltante bonzinho”, que você confere abaixo. Para adquirir a obra, entre em contato com a autora pelo WhatsApp 53 99136-5045.

O assaltante bonzinho

Nossa Pelotas está cada vez mais nas mãos dos assaltantes, a qualquer hora do dia. Não esperam nem mesmo o cair da noite, e ainda mais quando o lugar é ermo.

Vou descrever dois episódios verídicos e, se possível, fazer um alerta às mulheres e tratar da paixão que temos por bolsas. Discretas ou não, apaixonamos-nos na hora. Esquecemos o fundamento da realidade atual: um semáforo vermelho piscando para aquele que está de plantão, pronto para dar o bote. Em uma semana, no centro, nas imediações da Beneficência Portuguesa, dois assaltos.

Uma senhora com pouco mais de setenta anos, por acaso, minha tia Nely, por volta das quinze e trinta, andava tranquilamente carregando seu fardo de pensamentos e angústias, fazendo as compras do dia a dia. Para sua surpresa, foi abordada por um “cara” que a mandou entregar a bolsa. Ela, desesperada, implorou:

— Por favor! Estou com todos meus remédios dentro dela!

Ele continuou, insistente. Ela, por desespero, terror ou preservação dos seus bens, esqueceu qualquer orientação e agarrava cada vez mais forte a bolsa. Até de “meu filho” o chamou, certa de que o sensibilizaria. Triste ilusão de um coração puro! Não foi respeitada nem pela idade, nem pela fragilidade física. Jogada ao chão, no meio da rua, machucada, viu o objeto de disputa ser levado. Dada a alta temperatura, nem uma viva alma a socorreu.

O segundo episódio ocorreu por volta das oito e trinta, quase no mesmo local, e, devido à chuva, as almas continuavam mortas. Também, ninguém viu.

A vítima em questão, com um pouco mais de cinquenta anos, indo para o trabalho, viu seu trajeto interrompido por outro “cara” armado. Para seu espanto, ele dizia:

— Não quero assaltá-la! Meus irmãos passaram a noite assaltando, mas eu não quero! Devido às drogas, vendi carro e moto para não roubar. Sei que a senhora está com medo, mas só quero dois vales-transportes.

A mulher lhe entregou os vales. Ele ainda demonstrou preocupação com a maneira mediante a qual ela voltaria para casa. Seguiu falando do irmão e pediu o celular “emprestado”, solicitando-lhe que ligasse para um número, no qual ninguém atendeu. Continuava insistindo que era emprestado e queria que ela o acompanhasse ou desse o endereço do trabalho para ele devolvê-lo.

Naquela altura dos acontecimentos, nossa amiga Loiva queria era fugir desse fato tão bizarro. Com o coração na boca, um frio na espinha e as pernas bambas, ela insistiu para que o rapaz levasse o celular, afirmando não precisar lhe devolver. Apressada, seguiu em frente dizendo que o local de trabalho era longe. Observou-o seguir tranquilamente rumo ao centro.

Minha dúvida é a seguinte: trata-se de um novo golpe na praça? Os comparsas não chegaram a tempo? Ele está começando nessa nova arte? É um rapaz no desvio, devido às drogas? É um assaltante bonzinho, com seus princípios? Embora armado, respeitou a vida do ser humano, ao contrário do caso anterior.

Helena Manjourany