Spoiler: crônica “Antolhos”, de Giuliana Iaropoli

A escritora Giuliana Iaropoli aproveitou o período de pandemia para fazer literatura. A inspiração resultou no livro “Quarentena: Crônicas da ReVersos”, publicado pela Pragmatha Editora. Abaixo você confere uma das crônicas. Para adquirir o livro diretamente com a autora, entre em contato pelo WhatsApp: 11 95775-361. Ou então, na versão eletrônica, pela Amazon, no link https://shre.ink/1CZx. Boa leitura!

Antolhos

Gostei da maneira como ele me acomodou à mesa. Gesto nobre, recordei-me de papai. Camisa bem passada, restaurante bem clássico, comida bem harmonizada com vinho. Jesus me ama, estou sentindo. Ele bem cheiroso, bem vestido, bem equilibrado. Há quanto tempo não vivia algo assim. Tudo sempre tão atropelado.
– Posso escolher o prato? Tem alguma intolerância a frutos do mar?
– Sim, tenho àqueles de comportamento intenso, confuso e desorganizado.
– Garçom, gostaria de uma lagosta cabo-verde para a senhorita.
Para mim, pouco ou muito importava a lagosta. Meu estômago estava acostumado a escolher. Não estou sabendo como lidar, já conheço esse crustáceo, não confio nele. Esquisito ser cuidada, conduzida. Logo eu, sempre tomando a frente de tudo, carregando as pessoas, as malas e as mazelas da vida. “Sobremesa?” “Não, obrigada.” “Quero você bem magrinha, inclusive agendei uma excelente nutricionista que vai te auxiliar. Dois cafés descafeinados. Amanhã vamos treinar cedo, domingo a academia fecha às onze horas.” Tinha pensado em acordar tarde, comer um misto-quente na padaria e ficar lagarteando no sol.
– Agendei um almoço no Jockey Club, mesa reservada. A propósito, você tem alguma máscara arrumada? Aquelas de farmácia são muito deselegantes.
Pensei nas máscaras cirúrgicas espalhadas pelo carro, inclusive na bagunça em que ele se encontra. O carro dele brilha por dentro e por fora. Ele tem até um tique nervoso: ficar passando uma flanelinha toda vez que fecha o farol.
– Garçom, um Aperol Spritz para a senhorita.
Detesto essa bebida. Pensei numa Original bem geladinha, mesa na calçada na Vila Madaloca.
O líquido desceu quadrado acompanhado de sorrisos discretos amarelos e cavalos correndo em linha reta.
– Vou deixá-la em casa, amanhã é dia de branco.
Minha cabeça girou. Lagosta verde, flanela amarela, drink laranja e, cereja do bolo, dia de branco!
Homem nude.