Sobre o amor

Naquele inverno, ficou claro para Léris que o seu amor, por maior que fosse, estava sujeito a ter um fim. No seu caso inesperado, extremamente doído.

Sentir a raiz firme nas suas poucas andanças sempre fora fundamental para ela. E por alguns caminhos não tão retos, caíra num destino de mulher padrão, daquelas que têm marido, dois filhos, um cachorro e uma casa para se dizer feliz da vida.

Nos últimos tempos, começou a sentir que o lar estava fugindo do seu alcance. Quando a casa e os afazeres não mais precisavam dela, nos finais de tarde, com o sol alto, ela começava a pensar sobre o que estava acontecendo.

Seus filhos já estavam à beira da vida própria, à beira de saírem de casa para tomarem o seu rumo. José, o marido, continuava vagarosamente fazendo os seus trabalhos de restauro, por vezes em casa e, quando o tempo era pródigo com ele, em alguma edificação no estado. Embora não reconhecido, era um grande restaurador.

Nos últimos cinco meses estava trabalhando em Pelotas, no restauro de uma igreja centenária. Estava longe e, segundo ele, entregue às prospecções pictórias e de reboco, sem tempo para pensar em mais nada. A arte o dominara desde cedo e aquela oportunidade era única. Pouco falava com a esposa. Por lá se aninhou em uma pensão.

O dia a dia de Léris tornara-se cada vez mais mecânico. Os móveis teimavam em viver empoeirados e sujos. O fogão coberto de gordura não se sustentava de forma diferente. As roupas eram tantas que os varais não mais as suportavam e, resignadamente, Léris finalizava os seus dias de forma anônima à vida. Estava bom assim. Foi o que escolheu para a sua vida. Sabia que as roupas, muito em breve, diminuiriam nos varais. Era assim.

Até que, em um final de tarde gelado, tricotando próxima ao fogão à lenha, percebeu o barulho da porta. Era José. Mas não era mais o “seu” José. Era um José diferente, com uns quilos a mais, cabelo cortado e camisa xadrez impecável. Na mão, uma enorme mala preta. Na fala somente: “Vim buscar as minhas coisas. Acabou!”.

No mesmo lugar Léris ficou, acompanhada somente das lembranças de trinta e cinco anos de amor.

De amor?

Por Rosalva Rocha

Texto integrante do projeto de exercício literário proposto pela Pragmatha Editora em suas redes sociais. Participe! Em caso de dúvida, converse com a editora Sandra Veroneze pelo e-mail sandra.veroneze@pragmatha.com.br