Regras gramaticais na escrita criativa: os desafios de um idioma complexo

Língua Portuguesa: escritores participam de oficina

Márnei Consul é licenciado em Letras – Português/Inglês e tem quatro pós-graduações na área da educação. No momento, finaliza uma especialização em língua, literatura e ensino. Escreve, principalmente, contos e crônicas e publica suas obras pela editora Pragmatha desde 2009. Como autor de “Guia de Regras de Língua Portuguesa para Escritores”, nesta entrevista Márnei fala sobre os desafios que o idioma impõe aos escritores e da nem sempre amistosa relação de quem escreve com as regras.

Português é, realmente, um dos idiomas mais complexos (portanto, difíceis) do mundo?
Comparado a outros idiomas, o português, de fato, tem mais regras. Mas todo idioma tem suas regras! Brasileiros, por exemplo, queixam-se da dificuldade de aprender inglês, mesmo este idioma não tendo adjetivos em plural, tendo menos formas verbais para as pessoas e não possuindo acentuação. No entanto, falam português que tem todas essas regras. O importante é estar disposto a aprender as particularidades de cada língua que se propõe a conhecer/usar.

Gostar do idioma é critério fundamental para ser um bom escritor?
O escritor precisa pensar no seu público. Se ele fala português, logo, o autor precisa dominar este idioma. É preciso, também, saber a quem a obra se dirige. Se o público predominante é o jovem, por exemplo, dificilmente, uma mesóclise será bem-vinda. Então, vejo que gosto deve ser combinado com o público leitor. De minha parte, curto muito a língua portuguesa, mas conheço autores que falam mal dela e, mesmo assim, escrevem. É uma questão de opinião.

Que erros você vê escritores cometendo com mais frequência?
Não sei se são erros, ou escritas feitas propositalmente. Incomoda-me muito o pronome oblíquo no início de frase. Por exemplo: “Me chamo João”. Pela regra, deve ocorrer uma ênclise, isto é, o pronome deve vir após o verbo. Mas sabemos que, na fala, a próclise (pronome antes) é a preferida. Redundâncias também me incomodam, assim como troca de pessoas (tu e ele), como em “Vou te contar uma coisa: você é uma ótima pessoa”. A pessoa é “tu” (por causa do “te), ou ele (por conta do você)?

Alguém, certa vez, orientou escritores a não ter muita preocupação com a correção gramatical na primeira versão do texto, concentrando-se no estilo e na ideia. E, num segundo momento, fazer um bom pente fino na revisão. Você concorda com isso?
Se o escritor não domina bem a língua portuguesa, concordo com isso. É melhor fazer depois, ou, ainda, pedir a alguém que faça. Agora, se o autor sabe português, por que ter trabalho dobrado? Aproveite o segundo momento para melhorar a história, fazer cortes, acrescentar etc.

E questão do preconceito linguístico?
O certo é dizer que não se comete erro de português, e sim erro ortográfico, isso porque a comunicação acontece mesmo com o suposto erro. No entanto, precisamos saber que existem diferentes gramáticas. Uma delas é a da norma culta, a qual, no fim das contas, é cobrada em trabalhos, livros, publicações etc. Obviamente, se estou “batendo trela” com a vizinha, não precisarei seguir a gramática à risca. É preciso analisar o contexto, a situação.

Como surgiu a língua portuguesa?
O latim era a língua oficial do antigo Império Romano e tinha duas formas: o latim clássico, que era empregado pelas pessoas cultas e pela classe dominante (poetas, filósofos, senadores, etc.), e o latim vulgar, que era a língua utilizada pelas pessoas do povo. O português originou-se do latim vulgar, o qual foi introduzido na península Ibérica pelos conquistadores romanos. Damos o nome de neolatinas às línguas modernas que provêm do latim vulgar. No caso da Península Ibérica, podemos citar o catalão, o castelhano e o galego-português, do qual resultou a língua portuguesa.

Qual a importância de um guia de regras de português para escritores?
Sanar as principais dúvidas que envolvem a língua portuguesa e não depender tanto de outrem para correções. Tenho certeza que muitos escritores ficam constrangidos por passarem seus textos adiante para verificação ortográfica. Mesmo que não se dominem muito a língua materna, já fazer um texto com um número pequeno de “erros” ajuda bastante.