Partida

Subornar o médico era uma possibilidade, ninguém poderia saber a verdade, pelo menos não agora, só bem mais tarde.

O médico teria que dizer a todos que não há nenhum problema, esse teria que ser o esquema.

Não queria causar nenhum tipo de comoção, é irreversível a situação e sofrimento antecipado não tem nenhuma razão.

Ele estava bem e consciente, sempre soube o quanto a vida é impermanente e gostava da ideia de que logo voltaria a ser semente, não ficaria no mundo totalmente ausente.

Já estava eternizado em seus poemas e atos, em perpétuos retratos e inúmeros e deliciosos fatos. Além, é claro, dos incontáveis pensamentos abstratos, dos seus conselhos (nem sempre) sensatos e de seus textos latos.

Havia feito, sem falsa modéstia, muito bem a sua parte, desde cedo flertou com a arte, hasteou bem alto seu estandarte e estava chegando a hora do inevitável descarte.

Ele aceitava o rito, partir enquanto tudo ainda era bonito, não se desgastar com a agonia do prescrito, tudo era tão mágico justamente por ser finito.

Estava indo tranquilo e em paz, logo desatracaria pela última vez do velho cais deixando grande parte do seu coração para trás.

Só queria retirar, dos que ficam, toda dor, pontilhar seus caminhos apenas com pétalas de flor, e pedir que dessem às suas existências todo valor. 

Por favor, não diga nada, doutor, deixe todas as explicações para depois que eu me for, tenha certeza, é um gesto de Amor.

Por Leonardo Andrade

……..
Texto integrante do projeto de exercício literário proposto pela Pragmatha Editora em suas redes sociais. Participe! Em caso de dúvida, converse com a editora Sandra Veroneze pelo e-mail sandra.veroneze@pragmatha.com.br