Oscilante e necessária | Prefácio

Janeiro de 2021 chegou e com ele aquilo que Leonardo da Vinci chamaria de “sfumatto”. Em tradução livre: esfumaçado. E em tradução com um toque de poesia e subjetividade: nebuloso, incerto…
O gênio renascentista se guiava por sete princípios e sfumatto era um deles. Em suas obras artísticas, sfumatto consistia em não definir perfeitamente os contornos. Especulam os especialistas que essa técnica garantiu o sorriso enigmático de Monalisa. No existir cotidiano, sfumatto equivaleria a aceitar a vida como um lugar de incertezas, paradoxos e situações contraditórias.
Janeiro é início de ciclo, uma era de esperança. Em tempos normais, é o momento de renovar as energias para avançar na vida em busca de nossos sonhos. O futuro é uma possibilidade que se desenha no horizonte.
Pois janeiro de 2021 chegou com estranhamento. Uma epidemia varreu o mundo, trazendo mortes, dores, despedidas. Como sentir-se pronto para novos desafios com tanta dor e tristeza à espreita, sondando nossos próprios territórios existenciais?
Outro Leonardo, o Andrade, debruçou-se com sua genialidade poética sobre esse período. “Um certo janeiro” isolou e retratou este início de ciclo com cara de mais do mesmo – o “mesmo” que havia iniciado em março e abril do ano anterior, quando começaram a crescer de forma galopante os casos de covid-19 no Brasil.
Durante todo mês de janeiro de 2021, Leonardo escreveu um poema por dia. Às vezes dois. E teve dia que foram três. É seu jeito de ler o mundo e estar nele: meio que flanando sobre a dureza da vida, agarrado aos fios da poética e do lirismo que se escondem para a maioria de nós, humanos comuns.
O resultado é uma obra oscilante (porque revela a miríade de nuances subjetivas de um ser humano que vibra e pulsa com a realidade que o cerca). Também é uma obra necessária (já disse o poeta que na dor somos todos iguais e é preciso sentir-se parte, junto).
Espero que “Um certo janeiro” toque você, leitor, como tocou a mim.
Boa leitura!

Sandra Veroneze | Editora