Os contos de “A Quimera do Torto” inspirados na ditadura militar

 “A Quimera do Torto”, livro de contos do escritor Eduardo Guilhon Araujo, passeia por vários acontecimentos da história do Brasil do século XX. Uma das passagens mais intensas é pela ditadura militar, iniciada em 1964 e que perdurou até 1985. São, na obra, quatro contos que têm como pano de fundo esse período, inclusive o que dá nome ao livro. “Nossa ditadura foi tão sui generis que tivemos cinco presidentes diferentes no período (com mandatos deve-se dizer), uma clara tentativa de travestir a coisa de algum verniz legal. Havia até “eleições” para presidente no Congresso (ok, era de mentirinha, mas havia)”, afirma o autor.

A “Quimera do Torto” refere-se justamente a 1964, início do regime militar. Retrata de forma fictícia a vida da primeira-dama na capital, que curiosamente escolheu a Granja do Torto para morar, local mais perto de um sítio que um palácio e afastado da cidade. Maria Thereza Goulart tinha 25 anos quando se tornou primeira-dama do país, recorde absoluto de juventude, o que permitiu ao autor explorar isto na ficção. Uma quimera – animal visto como sinal de má sorte em muitas culturas – nasce pouco antes dos acontecimentos de março de 1964 (daí o nome do livro, a quimera que nasceu na Granja do Torto) e vive até 1985.

O “O Opinião” retrata o que os historiadores chamam de “Os Anos de Chumbo” a fase mais dura da repressão militar. Eduardo colocou dois personagens com visões bem diferentes de mundo (mesmo sem saberem), mas mostrando que o amor ainda assim pode vencer. O autor escreveu este conto bem antes da atual polarização política do país. “Jamais poderia imaginar que estaria tão atual. C’est la vie!”, afirma.

O terceiro conto do período é o “Deputado no Planalto”. O texto aborda um embate surdo que acontecia nos bastidores do regime entre a ala moderada e a radical. A moderada buscava abrir o regime – de forma lenta, gradual e segura – visando a uma futura democracia. Já a ala radical queria maior recrudescimento, continuar no regime fechado e militar, pois muitos deles possuíam bons cargos no governo e, claro, lá queriam se manter. “Coincidente também com o momento atual?”, questiona o autor. “Deixo para o leitor decidir”, provoca. Era uma espécie de “direito adquirido” dos presidentes escolher seu sucessor, mas durante o governo Geisel, seu ministro do Exército, Sylvio Frota, tentou impor seu nome à revelia do presidente. Acabou demitido em outubro de 1977 em uma clara vitória da ala moderada que depois levou o país à abertura e à democracia. O conto retrata o enigmático ministro da Casa Civil de Geisel – Golbery do Couto e Silva (o Dr. Silva) – muitas vezes alcunhado de feiticeiro, bruxo ou mago da abertura. A mandinga com o “deputado” (na verdade um bode que Golbery realmente tinha na vida real com este nome) no Palácio da Alvorada, claro, é pura ficção.

Por fim, o último conto é “A Missa” no estertor do regime, desenvolvendo uma teoria (novamente pura ficção) para a repentina internação do presidente eleito, Tancredo Neves, poucas horas antes de tomar posse (que depois viria a óbito, traumático episódio da nossa história). “A ala radical definitivamente não queria Tancredo presidente, então usei isto como mote do texto”, diz o autor.

E a quimera? Segundo Eduardo, a quimera original faleceu em 1985, mas deixou descendentes. Sua bisneta – a quimeirinha – completou três anos em janeiro de 2022.

Para adquirir, entre em contato com o autor, pelo email egaraujo@gmail.com