Nosso futuro é uma ficção

Viradas de ano são ritos emblemáticos, para quem gosta de celebrar os ciclos. Uma etapa é finda e outra inicia. É época de análises e balanços. Também de alegrias e sua correspondente inevitável: a frustração. Em que pese a esperança (esta, que é a última a morrer), é também momento de sonhar, projetar e planejar o futuro que vem pela frente, com aquele leve sopro de otimismo que os inícios costumam ter.

Pelo menos era assim, até 2020, o ano que sumariamente ignorou o planejamento que havíamos feito no apagar das luzes de 2019. Ele trouxe uma pandemia e de arrasto a derrocada de tudo que havíamos imaginado de bom e que estávamos dispostos a ancorar como sentido para acordarmos todos os dias de manhã e trabalhar.

Nosso futuro virou ficção no pior sentido da palavra – aquele da ilusão, do engano, da decepção. Quem, hoje, arrisca desenhar um cenário otimista para o ano que inicia? A pandemia, que nos encapsulou em casa e para ela levou o trabalho de muitos, também nivelou por baixo nossas expectativas. A meta é sobreviver, com a chancela do que é viável, depois deste ano em que cada um fez o que deu, o que foi possível.

Mudaram as circunstâncias, os desafios e as possibilidades. Também os recursos necessários para enfrentar essa nova realidade.

O que nos resta?

Dizem que a noite é mais escura no exato instante que antecede o amanhecer. Dizem também que águas calmas não fazem bons marinheiros. E se é do caos humano que a literatura se alimenta, enquanto matéria prima para obras em verso e prosa, resta para nós, escritores, pelo menos um alento: não faltará inspiração para nossos textos.

Sendo a realidade tão dura, neste ano de tantas perdas, se depender do remelexo e tempestades que 2020 nos trouxe, que pelo menos não nos falte a arte e a ficção, agora sim no melhor sentido da palavra – aquele dos livros, do universo imaginário e da potência criativa.

Sandra Veroneze

Editora