Nós

Mais três horas e estaria tudo acabado

Mais três horas e estaria tudo acabado. São vinte horas de uma terça-feira no início de dezembro. Ana está a caminho do aeroporto. É cedo, mas a ansiedade não lhe dá trégua. Dirige meio absorta e por pouco não avança o sinal fechado e provoca sério acidente.

Tem esperança de que o caminho e o tempo de sobra a ajudem a encontrar uma maneira mais humana para fazer o que precisa ser feito. A noite se inicia e há muito movimento de veículos. Cada vez que precisa parar, a angústia aumenta um pouco mais. Lembra com detalhes da outra vez que percorreu este mesmo trajeto.

Daniel estava a seu lado. Cheio de sonhos. Um ano no Japão seria importante para a carreira dele. Era obcecado por tecnologia. Tinha o firme propósito de se especializar e voltar qualificado e assim conseguir um trabalho estável e constituírem família. Estavam apaixonados e a separação doía muito, mas era pelo futuro dos dois. Haviam entrado em acordo.

Agora, estava voltando. Durante este tempo todo, tentaram (e acreditavam) levar adiante o relacionamento, em que pesem todas as dificuldades. Fuso horário. Restrições devido a medidas sanitárias. O ano planejado se transformou em dois. Ana sentia falta do toque, da pele a pele, do cheiro. Mas agora Daniel está chegando. Deve estar muito cansado. Escalas, vinte e quatro horas de voo, fuso horário. Como dizer o que deve ser dito, sem machucá-lo? Ele é um cara legal, sempre foi compreensivo, companheiro, apaixonado. E ela não é volúvel. Não classifica como traição. Simplesmente aconteceu. Mais três horas e irá terminar esta agonia. Precisa esclarecer tudo para seguir adiante.

Três horas demoram a passar quando existe palavras amontoadas na garganta, insistindo que precisam sair.

Por fim, anunciam que o voo chegou. Mais alguns minutos de espera, que para Ana parecem se alongar. Vê os passageiros saindo, alguns acompanhados, outros sós. Já está por se dirigir ao balcão da companhia aérea para confirmar se ele realmente estava neste voo quando o vê se aproximar por trás do portão de vidro. Anda devagar, olha para trás. Parece diferente. Deve ser o cansaço. O abraço apertado, calor humano. Sentia falta disso. Mas o beijo não rola.

É quando ele lhe diz que precisa conversar. Quem sabe tomam um café? Dois goles e ele a encara muito sério. “Ana, eu não voltei sozinho. Não queria te magoar, mas, simplesmente, aconteceu”.

O relógio marca exatamente vinte e três horas. Faz três horas que ela tomou o caminho do aeroporto tentando desatar um nó que se culpava por ter criado. Três horas da mais lenta agonia. Agora, tudo está resolvido.  

Por Cleia Dröse

……..
Texto integrante do projeto de exercício literário proposto pela Pragmatha Editora em suas redes sociais. Participe! Em caso de dúvida, converse com a editora Sandra Veroneze pelo e-mail sandra.veroneze@pragmatha.com.br