Na véspera da formatura

     Na véspera da formatura, ela descobriu quem havia pago seus estudos, na universidade particular. Fora ele, logo ele, a pessoa mais detestada no mundo, um ser sem sentimentos e do qual não aceitaria nada na vida.

     Ninguém podia ter noção do que aquilo significava. O estágio no exterior, as viagens, tudo uma farsa? “Uma bolsa de estudo de um dos nossos patrocinadores.” Essa fora a informação que recebera do diretor no início, quando chamada pela universidade. E agora isso, estava furiosa quando saiu da sala do diretor.

     Fora um ano particularmente feliz, durante o estágio de arquitetura na Delft University of  Tecnology da Holanda. Amara Amsterdam, as cidades que visitara, seus canais, suas flores, os tamancos, os museus, o povo e seus amigos. Tudo era perto e nos dias de folga visitara vários países europeus de trem e mochila, com colegas. Passara com notas excepcionais, já haviam tirado até as fotos.

     E agora ele. Por trás de tudo, a pessoa que nunca queria ver na vida novamente, um ser detestável. Cheio de si, senhor poderoso, por ele qualquer mulher cairia de joelhos, mas ela não. Além do mais, ele era bem mais velho do que ela. Por que teria feito aquilo? Que motivos teria? Ficou se perguntando enquanto pensava se iria a formatura ou não.

     Queria poder pagar de volta todas as despesas que tivera e que ganhara junto à tal bolsa de estudo e da própria universidade. Livros, materiais, tudo ele tinha pago. Mas era muito, não teria condições, teria que trabalhar uma vida inteira para isso.

     Renata a convenceu de que nada importava naquele momento. Devia pensar no canudo, no momento pelo qual tinham estudado e esperado tanto. Depois poderia pensar em tomar satisfação daquele homem que tanto ela detestava. Poderia estar enganada de alguma forma, mas Melissa foi categórica — ele e a família nunca prestaram.

     Durante a cerimônia, ela o viu sentado na terceira fila reservada aos parentes. Não era possível que tivera coragem para vir aquele momento tão importante para ele. Estava confusa, na verdade ele tinha todo direito de estar ali, pois era o motivo dela estar se formando.

     Junto ao canudo, recebeu um envelope azul lacrado. Não deu muita importância. Até esquecera aquele homem e fazia festa com os colegas. Colocou o envelope na bolsa e foi como todos os outros para o jantar programado.

     Sentado numa mesa num canto da festa estava ele. Como? Além da desilusão, queria estragar a sua alegria. Quando se sentou, depois de dançar até cansar, lembrou do envelope que recebera. Poderia ser uma oferta de emprego. Abriu e leu.

“Melissa

Sei que deves estar assustada, talvez revoltada com a notícia que recebeu hoje. Mas tenho que lhe dar satisfação nesse momento em que vais iniciar um novo caminho na tua via. Deves ter muitas perguntas, só vou esclarecer por que fiz tudo por você.

Alguns meses antes da fábrica do meu pai falir, o teu pai avisou o meu de que nada ia bem na contabilidade, que o gerente roubara meu pai de tamanha forma que a fábrica não iria sobreviver.

Foi o Natal mais triste de nossas vidas e de todos que trabalhavam conosco. Não tínhamos condições de ajudar ninguém naquele momento. Tínhamos certas economias, mas não o tanto para ajudar duzentos empregados. Então resolvemos sair da cidade e entrar com uma ação judicial contra o gerente.

Estive uma vez na casa de vocês, antes do ocorrido, não sei se lembras, e achei você uma garota muito decidida e linda, mas sendo mais velho não tive coragem de falar contigo. Reuni todas minhas economias e paguei sua entrada na tão almejada faculdade, era a única forma de ajudar. Depois de dois anos, com o testemunho insistente do seu pai e outros empregados, parte do dinheiro foi recuperado e meu pai faleceu.

Investi em outros negócios e aos poucos fui pagando o que meu pai devia para todos empregados e seus estudos. Sei que você perdeu o teu pai enquanto estava na Holanda e não teve tempo de se despedir dele, mas eu pude e prometi que cuidaria de ti enquanto pudesse, mas pedi segredo para tua mãe, não queria que abandonasses os projetos que tinhas feito.

Sua mãe e seus irmãos estão esperando na entrada do salão, vieram para a festa e esta mesa é para vocês. Desculpe ter me omitido desta forma, mas eu sei que no fundo ainda amo aquela garota da casa 45 do nosso bairro.

Adeus, André.”

     Quando ergueu os olhos não o viu. Correu para a entrada e abraçou sua mãe e seus dois irmãos que esperavam por ela. Depois de muitas explicações, a mãe confirmou tudo o que aquele homem, Henrique, havia feito em prol das pessoas que haviam perdido o emprego naquele Natal.

     Procurou-o e não o encontrou, mas seu ódio acalmara. Sua vida recomeçava, teria tempo para achá-lo, já que a procurara somente na véspera da sua formatura, algumas horas a mais, alguns dias a mais não fariam diferença. Agora poderia retribuir de alguma forma.

     Encontrou-o dois anos depois, numa viagem à Holanda. Ele estava sentado tomando um drinque no pub mais querido do mundo, para ela.

Por Verena Rogowski Becker

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Texto integrante do projeto de exercício literário proposto pela Pragmatha Editora em suas redes sociais. Participe! Em caso de dúvida, converse com a editora Sandra Veroneze pelo e-mail sandra.veroneze@pragmatha.com.br