Um cão enorme guardava a porta.
A menina tinha pressa, mas estacou o passo ao perceber a presença do imenso animal. Em sua mente, o via com três cabeças, igualzinho à ilustração do livro da biblioteca. Enquanto uma cabeça com os dentes arreganhados olhava para a frente, as outras duas observavam as laterais. A menina tinha medo, mas também tinha fome. E sabia que do outro lado daquela porta havia um pomar repleto de frutas maduras. Sentia o sabor da pera que se oferecia plena de vida, tal um útero guardando uma semente.
A menina lembrou da avó, que de tão velha já não contava os anos. Lembrou do que a avó lhe dizia. “Amarra ele, filha! Amarra ele na barra da saia!” E então a menina puxou a barra da saia e deu um nó. Um nó bem apertado, enquanto repetia “agora tu tá amarrado e nenhum mal podes me fazer”.
E o enorme cão virou sua única cabeça para o lado esquerdo e rastejou como se farejasse algo importante, afastando-se da porta alguns passos. Em seguida, acomodou-se e adormeceu.
A menina aproximou-se da porta e lentamente a abriu, sempre segurando com força o nó na barra da saia e repetindo que ele estava amarrado.
Do outro lado, o pomar inteiro a recebeu gentilmente.
Os galhos com as mais saborosas frutas se dobravam na altura exata para que ela cheirasse os pomos e os mordesse sem precisar usar as mãos, que continuavam segurando o nó na barra da saia.
Dizem que é por este motivo que ainda hoje naquela aldeia as meninas usam saias rodadas que lhes facilitam fazer um nó sempre que um perigo as ameace.
Por Cleia Dröse
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Texto integrante do projeto de exercício literário proposto pela Pragmatha Editora em suas redes sociais. Participe! Em caso de dúvida, converse com a editora Sandra Veroneze pelo e-mail sandra.veroneze@pragmatha.com.br