Exercício literário: “Fiz hoje o teste para vocalista da banda”

Confira os textos recebidos nesta semana, a partir do exercício literário proposto nas redes sociais da Pragmatha Editora aos domingos. O convite é para desenvolver uma narrativa breve a partir da imagem.

O grande dia

Surpreendentemente o convite chegou. Estou consciente de que não devo depositar todas as minhas fichas nele, pois há mais três candidatas. Mas algo me diz que chegou a minha hora, que o palco está se abrindo para eu ser feliz naquilo que gosto e sei fazer. Quero ser a vencedora nesse teste para vocalista da banda.

A banda é pequena e sem grande expressão, mas acompanhando-a há dois anos posso sentir a força que vem dos meninos que a carregam com tanta emoção nos pequenos eventos que os contratam. Cantam blues e eu vivo de blues. B.B.King canta todos os dias pra mim através de seus discos. Gary Moore não fica pra trás. São meus companheiros desde criancinha. E hoje estou com 23 anos, pronta para tudo.

Desculpem-me, fui chamada para o teste.

Rezem por mim!

Por Rosalva Rocha

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Um teste, muitas revelações

Fiz hoje o teste para vocalista da banda. A integrante atual está saindo. Vai tentar carreira solo e pretende ir embora para o exterior.

Gostaram muito de mim. Penso que tenho grande chance. Mas o que me impressionou hoje foram as coisas que estou descobrindo…

Vítor, o guitarrista da banda, é muito parecido comigo. Ao perceber isso, lembrei de uma história que, certa vez, minha avó deixou escapar. Eu nasci gêmea com um menino, o qual foi entregue para adoção. O pai não tomou conhecimento da gravidez, e minha mãe, muito jovem ainda, não daria conta de ficar com os dois filhos.

Conversando com Vitor, descobrimos que somos do mesmo dia, mês e ano. Percebi certo espanto por parte dele, mas nada comentou. Um pouco nervoso, ele me revelou que naquele dia tivera uma surpresa:

— Hoje descobri que o Luiz, o baixista da banda aqui, é meu pai. Uma longa e maluca história!

Senti um arrepio! Será possível? Se todas as minhas suspeitas se confirmarem…

Começo a observar Luiz e vejo neles alguns trejeitos que temos iguais: o jeito de falar, meneando a cabeça, a maneira de passar a mão pelos cabelos…

Penso que farei parte dessa banda, não apenas pelo teste, mas por vínculos muito mais fortes que poderão se criar aqui…

Por Marilani Bernardes

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E a vida, diga lá meu irmão

“Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”… Projetei a minha voz o mais forte o possível nessa estrofe. Senti a luz branca do holofote no meu rosto e já poderia viver a emoção do público ao me acompanhar cantando junto, liberando todas as amarras. “É a vida, é bonita, é bonita”… Me sinto como se tivesse em um campo de rosas, semeando beleza ao cantar essa parte. Que sensação única de estar aqui neste palco! É como se toda a minha vida tivesse sido vivida só para eu estar aqui. Os aplausos da minha mente me fazem um astro da música brasileira e já penso na próxima setlist da turnê. Porém, ao final da minha performance da música de Gonzaguinha, a luz da plateia se acendeu e nela estavam somente umas três pessoas me avaliando e fazendo anotações em suas pranchetas. 

Por que você escolheu essa música para cantar hoje aqui?, me perguntou o jurado mais velho.

— Porque essa música é algo visceral, traz a reflexão da delicadeza e da importância de estar simplesmente vivo — respondi sem demora.

— Percebi que você estava bem emocionado enquanto cantava — enfatizou a moça do lenço verde que também me assistiu no teste.

— E como não me emocionar, moça? Olha a força que essa música nos dá! Estou num palco enorme como esse e podendo trazer a esperança de que a vida é importante dentro de um mundo tão incerto em que estamos. Tanto repetimos que a única certeza que temos é a morte, porém por que não acreditar que a certeza que temos hoje é a de que estamos vivos?

— Uau que filosóficas as suas respostas, mas eu ainda não ouvi você falar da relação dessa música com você — me perguntou o último avaliador, que parecia não estar muito satisfeito com a minha resposta.

— Estar aqui não foi fácil não, meu amigo. Acreditar que eu tinha a chance dentro de um concurso como esse, cheio de talentos e de pessoas que vêm muito mais preparadas do que eu já é um prêmio na minha vida. Tanto sofrimento passei na minha vida, quantas vezes achei que meu sonho era uma baboseira e tão poucas foram as pessoas acreditaram em mim, que nem sempre eu mesmo compunha esse grupo. Mas um belo dia, verdadeiramente belo, estava num desses momentos que só é feito de lamento, mas essa música tocou no rádio. E aí, neste instante, percebi que, como diz a canção, “somos nós que fazemos a vida como der ou puder ou quiser” e que eu não tinha que ter a vergonha que ser feliz. Por isso, a música não é só uma breve canção, ela é meu mantra para acreditar todos os dias que estar vivo é uma dádiva e resolvi passar essa mensagem para frente e hoje ela foi para vocês.

Os três se entreolharam e por um minuto achei que tinha sido novamente “filosófico”. Mas dentro de mim conseguia ouvir meu público me aplaudindo e querendo mais. E essa sensação já me bastava.

Os três agradeceram a minha presença e me falaram para aguardar contato das próximas etapas. 

E eu? Agradeci a oportunidade e ainda complementei: meus caros, na dúvida, eu sempre fico com a pureza da resposta das crianças: é a vida, é bonita e é bonita.

Por Renata Cavour

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Entre a música e a paixão

Vilian viveu para cantar, mas, no meio do percurso, apaixonou-se avassaladoramente. Abandona o sonho, a família e vive um grande amor. 

Fica amortecido o desejo de encantar, com sua voz, nos palcos sonhados. O tempo passa e vem a separação. Vem, também, o anúncio de um festival televisivo. Oportunidade para retomar sua primeira paixão e revelar seu talento.

Surpresa! No dia da estreia, canta acompanhada de renomada banda, vê o amado na primeira fila. Ele a aplaude de pé. Vibra e grita juras de amor.

Ela, bela e puro talento, encanta a todos. Veio para ficar no cancioneiro brasileiro. Deixa a apresentação de braços dados com a fama. Fica com esta última conquista.

Por F. Aquino

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Mudança de postura

Cansei de ficar nos bastidores, sufocar minha voz, minhas dores e amores.

Talvez, de fato, sempre tenha sonhado com o estrelato, mas parecia tão abstrato.

Tinha o sonho frequente de tomar a frente, me fazer presente, ser pungente.

Vivia apenas na plateia, um entre tantos lobos solitários de uma anônima alcateia.

Uivando eventualmente para uma lua que sequer ouvia a minha triste litania.

Assistia à vida acontecer de longe com a postura impassível de um monge.

Basta! Decidi me libertar das limitações que eu mesmo impus e partir em direção à luz.

Preciso testar, ousar, arriscar e conquistar.

Quero bradar a plenos pulmões meus sonhos e ilusões.

Tomei coragem e para sair dessa incômoda ciranda, fiz hoje teste para vocalista da banda.

Por Leonardo Andrade

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O sonho em teste

A casa pequena de madeira ficava na subida da favela Manguinhos, mas no início da subida, o que fazia com que eu agradecesse a Deus todos os dias ao subir e descer o morro. 

Eu ajudava minha mãe a arrumar minha irmã depois de almoçarmos para levá-la à escola. Aos oito anos, era cheia de manias. Os cabelos encaracolados e compridos precisavam ser escovados 30 vezes antes de serem presos com um laço de fita bonito. Os cinco anos de diferença de idade entre nós permitiam que minha paciência fosse cinco vezes maior do que a dela. Quando eu ia à escola pela manhã, ela seguia dormindo na cama que dividíamos. Eu achava que a vida dela era muito protegida diante da dificuldade em que vivíamos. Nossa mãe lutava sozinha para nos criar. Não tenho certeza da idade que eu tinha quando o pai foi embora e nos deixou. Além de os adultos que me cercavam não gostarem de falar sobre isso, ainda desestimulavam minha subida no morro da favela para ver se o achava. Mas não sei quem procurar; não lembro dele e o que restou é uma foto 3×4 amarelada guardada no único armário da nossa casa. 

Minha escola é perto de casa. Vou sozinha e ao voltar ao meio-dia, ajudo minha mãe nos afazeres domésticos, pois ela trabalha no mercado do seu Teixeira todas as manhãs. Ela não gosta que eu fique na volta do fogão de duas bocas que permanece em cima de um caixote de frutas lá do mercado. Em uma boca cozinha nossa comida, na outra esquenta o óleo para fazer as pipocas que vendemos no centro todas as tardes, na porta do cinema Rex, quase ao lado do teatro avenida. Levamos minha irmã para a escola e descemos o morro carregadas de saquinhos de pipoca em duas sacolas que a mãe mesmo trançou com tiras de plástico rasgadas.

Cumprimentamos a vizinhança enquanto caminhamos até o ponto de ônibus. Dona Salete sempre abana da janela ao nos ver passar e deseja boa sorte. 

Uma última olhada nas sacolas de pipoca cuidadosamente tapadas por um pano branco e o nosso transporte chega. Eu gosto de sentar ao lado da janela e, quando passamos pela praia, encosto meu rosto no vidro fechado como se pudesse sentir a brisa do mar. 

Nossa viagem termina em menos de uma hora. Seguimos com passos apressados, pois logo começa a sessão das três no cinema e o espetáculo infantil no teatro. Como sempre, nos posicionamos perto das bilheterias, pois as crianças puxam as mangas dos casacos dos pais ao verem os saquinhos de pipoca e esses, já com a carteira na mão, acabam comprando. 

Eu fico com a minha sacola perto da entrada do teatro, mas normalmente ela já está vazia quando o espetáculo inicia. Às vezes, espero minha mãe por alguns minutos e olho os cartazes que anunciam os novos shows ou peças de teatro. 

Contamos nosso dinheiro e pegamos o ônibus para voltar com certa pressa, pois às 17 horas as aulas da minha irmã terminam.

Nos trajetos que fazemos diariamente, tenho tempo para sonhar. Serão assim as nossas vidas para sempre? Eu tenho o sonho de ser cantora. Nossa vizinha, dona Abelinha, diz que tenho talento quando escuta meus ensaios à noite, fazendo a vassoura de microfone e minha irmã de plateia. Minh mãe lembra que pareço a Lúcia, sua irmã mais nova, que fugiu com o namorado quando completou quinze anos.

Minha irmã aplaude freneticamente minhas cantorias e, se fosse por ela, eu seria uma cantora famosa. Nas noites em que o sono custa a chegar, olho pela fresta do nosso barraco e enxergo uma estrela no céu. Ela sempre está lá no mesmo lugar, esperando minha oração.

 Aos sábados e domingos, há duas matinês. Minha irmã vai junto, pois, sem aulas, ajuda a carregar as sacolas de pipoca. A mãe nos presenteia com uma ida ao parque quando o tempo permite, entre as sessões. Foi em um domingo desses que minha irmã viu o cartaz no teatro anunciando a apresentação de uma banda formada por adolescentes, a nossa favorita na apresentacão que eu costumava fazer para ela. Aproximei meu rosto para ler o cartaz: “show da Banda Us em dezembro”. Em letras menores, oferecia um teste para nova contratação, marcando o local e a data para inscrição.

Não me contive e em uma correria desenfreada, procurei minha mãe na bilheteria do cinema, eufórica, impaciente, atropelando minha fala com gestos dignos de alguém em um naufrágio.

န- Mãe, abriram inscrições para testes na Banda Us, falei puxando-a pela mão até o cartaz no teatro.

Ela nos acompanhou e leu em voz alta todo o enunciado do cartaz. Faltavam menos de 10 dias para encerrarem as inscrições. Pulando no mesmo lugar, minha mãe teve que falar de uma maneira ríspida para nos acalmarmos. Notei uma ruga nova em seu rosto demonstrando preocupação. 

– Como conseguiríamos uma roupa adequada para participar dos testes? – murmurou com uma voz quase inaudível.

Nos dias seguintes, a força e o poder do morro se manifestaram quando se espalhou a história dos testes da banda. Dona Abelinha fez a  frente ao relatar aos transeuntes e moradores sobre o teste futuro. Abriu uma caixinha e a colocou na frente de sua casa: “para o teste de Isis” dizia o cartaz ao lado. Seu Teixeira fez uma campanha no mercado para arrecadar fundos. Dona Lília organizou uma rifa de uma cesta de verduras e legumes doada pelo seu Teixeira. Minha irmã e eu saímos naquela semana com saquinhos de pipoca para vender no intervalo da escola. Em uma semana, tínhamos o suficiente para descer o morro e realizar a inscrição, além de comprar uma roupa da moda para a apresentação.

Hoje é o grande dia. Tem mais cinco meninas inscritas no mesmo horário. Meu coração parece um tambor no meu peito. Minhas mãos estão úmidas e o tempo de espera parece demasiadamente longo. Estamos em uma sala de espera. As cinco meninas pouco conversam, o nervosismo invade todas. Uma secretária simpática se apresenta e distribui senhas para a apresentação. Diz que vai começar a chamar. O primeiro nome ecoa na sala.

Isis Lopes. Levanto da cadeira e caminho até o palco. Na plateia apenas três pessoas estão sentadas; eles são os nossos avaliadores.

Seguro o microfone, fecho os olhos por instantes e minha voz preenche todos os espaços do teatro.

Por Elsa Timm

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O teste

Fiz hoje o teste para vocalista da banda e era o sonho de menina que queria ser cantora para se realizar. Cheguei cedo no local para o teste. Estava nervosa e ansiosa. Uma multidão também estava lá. Todo mundo era um nervoso só. Entrava um e quando saia, se olhava seu rosto para perceber se havia alguma expressão de frustração ou alegria. Mas não dava para notar nada. A angústia crescia. Quando chegou a minha vez, entrei nervosa, porém decidida. Quem fazia o teste era uma senhora baixinha e simpática que logo me deixou à vontade. Fiz meu teste e ela logo me disse que eu era a escolhida. Vibrei por dentro e agradeci feliz. Quando daí, os outros me olharam com interesse e logo perceberam pelo meu sorriso que eu fui escolhida.

Por Roselena de Fátima Nunes Fagundes

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