Exercício literário: “Teatro fantasma”

Confira os textos recebidos nesta semana, a partir do exercício literário proposto nas redes sociais da Pragmatha Editora aos domingos. O convite é para desenvolver uma narrativa breve a partir da imgem.

Teatro fantasma

Nos seus tempos áureos, o Teatro Molière era um dos principais pontos de encontro da elite cultural de Esplanada dos Lírios. Todos os fins de semana o local fervilhava de pessoas ilustres e desconhecidas daquela região, num verdadeiro desfile de beleza e elegância. 

Cloves, que na época era auxiliar de camarins do teatro, guardava consigo uma mágoa.  Apesar de, em todas as exibições, estar sempre a postos nos bastidores, para manutenção do guarda-roupa e figurinos dos espetáculos e para auxílio aos artistas, sempre fora ignorado por eles, inclusive pelo ator principal da última peça em cartaz, de quem era fã ardoroso. Também porque nunca conseguira pagar por um ingresso para assistir a uma das peças que ali eram exibidas. 

Algumas peças ficavam em cartaz por meses a fio, sempre com a casa lotada. 

Assim foi com “O último ato de uma pérfida”, que encenava a estória de um triângulo amoroso que terminava em tragédia, quando o marido, ao descobrir a traição da esposa, após ríspida discussão, era por ela assassinado com uma punhalada no peito. 

A peça era ambientada na França no século XVIII e estava em cartaz havia oito meses, quando teve a sua exibição interrompida em razão de uma tragédia real. Certa noite, quando foram descerradas as cortinas, após o ato final da peça e os artistas se dirigiam aos camarins, o ator principal continuou deitado no palco, coisa que já fizera inúmeras vezes e, por isso não chamou a atenção dos demais.

Cloves se aproximava do palco para o recolhimento de alguns adereços usados na exibição, quando percebeu que o ator continuava imóvel e que sangue de verdade escorria do seu peito. Gritou, alarmado, atraindo a atenção de todos que ali se encontravam e que, ao perceberem que o ator estava morto, entraram em pânico. 

Imediatamente alguém perguntou pela atriz que contracenava com ele, a que desferia a punhalada ao final da peça, mas ninguém a encontrou em parte alguma. Avisada, a polícia determinou que ninguém deixasse o teatro até a sua chegada, mas, ao chegar, os espectadores já tinham deixado o local, encontrando-se apenas os atores, atrizes e os trabalhadores do serviço noturno do teatro.

Os primeiros depoimentos foram tomados ali mesmo e foi determinado que as exibições seriam suspensas e o teatro fechado até o final das investigações. 

Depois que o teatro recebeu autorização para voltar a funcionar e antes que alguma peça entrasse em cartaz, teve que ser novamente fechado por determinação das autoridades, em razão da pandemia de covid-19, passando mais de um ano fechado. Apenas dois funcionários compareciam uma vez por semana para manterem o ambiente o mais limpo possível.

Após o fechamento do teatro, a mágoa de Cloves aumentou, pois foi demitido e passou a enfrentar dificuldades financeiras, culminando com o desespero de desocupar o imóvel onde morava, por não poder mais pagar o aluguel.

Sem teto e sem dinheiro para se manter e para não se tornar mais um “morador de rua”, uma noite, discretamente, arrombou uma das janelas laterais do teatro e passou a morar no prédio. Durante os dias saía furtivamente para fazer bicos e à noite retornava para dormir.

Com a pandemia controlada, o teatro recebeu autorização para reabrir e Cloves se sentiu ameaçado de perder a sua moradia. Então teve a ideia de preparar uma vingança, pelas mágoas que ainda carregava no peito. Como o teatro já estava estigmatizado pela tragédia recente, ele aproveitou para pôr em prática um inusitado plano.

Ele havia sido encarregado de destruir a indumentária do personagem assassinado no palco, mas não o fizera, pois, sendo fã do personagem e do ator que fazia aquele papel, guardou-a como recordação. 

Então sujou-a de tinta no local da punhalada para simular sangue e passou a usá-la, juntamente com a peruca do personagem, fazendo aparições furtivas por entre aberturas das cortinas, previamente preparadas, enquanto emitia gemidos de dor, provocando pânico entre os que ali tentavam trabalhar. Quando necessário, evadia-se pela janela arrombada, evitando ser descoberto. 

A notícia se espalhou e a imagem do teatro foi irremediavelmente comprometida, afastando qualquer possibilidade de se retornar à exibição de novas peças no curto prazo.

A partir de então, e até o prédio ser demolido para dar lugar a um hotel, quando circulava pelas imediações Cloves ouvia que o Teatro Molière era chamado de “O teatro fantasma.

Por Edmilton Torres 

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O lado obscuro do tempo

Silêncio e sombras na coxia, plateia completamente vazia

Cortinas definitivamente cerradas, cadeiras quebradas.

Fantasmas vagando, correntes se arrastando, entre as frestas, vento lamentando.

Final melancólico de um templo sagrado, coração sangrando e arrasado.

Incontáveis peças brilhantemente encenadas, agora, com o passar dos anos, vendo suas marcas serem apagadas.

Capítulo triste da história, lento e doloroso apagar da memória.

Não há mais sequer eco dos aplausos emocionados nem vestígio dos espectadores inebriados, restam apenas escombros, prestes a serem definitivamente soterrados.

O velho teatro já é passado e pelas volúveis dunas do tempo vai aos poucos sendo soterrado.

O tempo, sábio e reparador, também sabe ser cruel e às vezes, derruba anjos e castelos do céu.

Por Leonardo Andrade

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Teatro fantasma

Meu avô era uma pessoa especial. Não apenas pelos atributos que todos os avós têm, mas pelo que construiu e iluminou ao longo de seus 80 anos de vida. Uma das coisas das quais me lembro era a casa comprida que construiu. Cabíamos todos nós, 15 pessoas, filhos, netos, funcionários… Numa ponta era o armazém e, na outra, uma cozinha imensa, com panelões em cima do fogão a lenha, aceso dia e noite.

No meio da casa havia uma sala cheia de instrumentos musicais, várias gaitas e violinos em suas caixas penduradas na entrada. Um piano amarelo, encostado na parede, tapado com uma colcha quadriculada, foi o meu bilhete de ingresso para mundo na música.

Pequena, chegava da escola e dedilhava alguma melodia que aprendera lá, até ouvir o grito derradeiro de alguém me avisando que seria o último chamado para o almoço.

Nos sábados à noite, tocávamos improvisando as músicas que ouvíamos no rádio durante a semana.

Penso naqueles anos como uma chama que aquece meu coração em dias gelados.

Agora aqui estou, décadas depois, e não sinto chama nenhuma, apenas o frio do medo diante da minha primeira apresentação no teatro municipal. Procuro pensar no meu avô e em suas sábias palavras: o medo espera ser vencido. Suas doces palavras seguiam: diante de uma multidão, pensa num teatro fantasma, fecha teus olhos, ninguém está lá além de nós.

Foi assim que saí do torpor, me ergui da cadeira no camarim, olhei no espelho pela última vez e, na despedida daquela menina temerosa, segui para o palco.

As palavras do apresentador ainda ecoavam nos meus ouvidos quando as cortinas se elevaram… Aplausos para a vencedora do Grammy!

Por Elsa Timm

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Um susto

Santa Fé é uma cidadezinha bem peculiar. Nela tudo se aproxima de paz. Algo que me encantou e me fez entender o porquê acabei ficando nela por uma noite, em função de problemas no meu carro.

Encontrar uma pousada e boa gente para uma conversa foi coisa fácil demais. Nada tirou o meu humor, mesmo com o carro quebrado.  Na saída da mecânica, resolvi perambular pelas ruas em busca de um local para jantar e, posteriormente, retornar à pousada.

Passei pelo centrinho e decidi subir uma ladeira de paralelepípedos, curiosa com o que encontraria por lá, mas, pasmem, sem medo algum. Santa Fé não dá qualquer medo, ou melhor, não dava até eu chegar em frente a um teatro assombrado – pelo menos foi o que um andarilho me falou.

A energia mudou, anoiteceu em mim. Em poucos minutos pude ver que o teatro vomitava gente maltrapilha, com aspecto horrível e, no meio da noite, confesso que não sei ao certo o que vi, se gente carente ou espíritos.

Prefiro não buscar maiores explicações.

Por Rosalva Rocha

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Teatro trágico 

O teatro estava lotado, com plateia ansiosa para ver a peça do momento.

Nos papéis principais a doce e meiga Geovana fazendo par com o galanteador Charles, que demonstravam uma grande química no palco.

A ficção torna-se realidade. As cenas sensuais transmitiam uma verdade cênica que empolgava o público. Na assistência estava o jovem Xavier, noivo de Geovana. Movido por ciúmes resolveu tomar satisfação em plena encenação, no momento mais ardente entre personagens. 

Sobe ao palco com uma arma branca e, partindo para cima dos artistas, que sem entender, defendem-se. 

A plateia vibra de pé, aplaudindo a atuação. O diretor chama a segurança. Agora, no palco, desespero. Plateia eufórica com a movimentada cena. Ouve-se tiros, corpos no chão. 

Público em delírio.

Por Francisco Aquino

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O teatro da escola 

Era o teatro da escola. Grande, silencioso e sombrio. Dava medo, porque éramos crianças, estudantes primários daquela escola de freiras. Eram tantas histórias e lendas sobre aquele prédio antigo e grande, histórias de pessoas, freiras e mesmo alunas mortas, fantasmas e imaginações férteis. Era o teatro o nosso lugar favorito para ver ou imaginar o que quiséssemos. Parecíamos formiguinhas naquela imensidão escura e gigante. Entrávamos lá com olhos arregalados, de mãos dadas, procurando os fantasmas nas sombras do ambiente. Qualquer ruído ou movimento, saímos em disparada gritando! 

Por Roselena de Fátima Nunes Fagundes 

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Os duplos da vida

O barulho da chuva era tão forte sobre o telhado do teatro e preocupava os artistas, que estariam inaugurando uma nova peça naquela noite e mal se ouviam no palco. Foram tantas horas de ensaio que já nem lembravam o momento que a tímida garoa virou uma ousada tempestade. Entre pausas, eles sempre lembravam que o enredo da obra falava sobre a multidimensionalidade da vida e os fragmentos de espiritualidade que presenciamos no cotidiano. Era, sim, um tema complexo e altamente discutível.

O diretor pensou que a apresentação promoveria falatório e era exatamente isso que ansiava. O que não previa, no entanto, era fechar as portas na primeira noite de estreia. Isso seria uma catástrofe, tanto quanto as telhas quebradas. A história de que o artista assume a personalidade e identidade do personagem, nesse caso, era muito visível. Eles ficavam tantas horas debruçados sobre as emoções desse Outro que passavam a ser duplos, era até divertido ver esses excessos de vozes plurais no decorrer do dia.

Na preparação do texto da peça, originalmente, haveria um personagem psicótico que, ao acreditar que viajava no tempo e no espaço, possuía uma força sobre-humana e eliminava as pessoas de dupla razão. Na semana anterior da estreia, o diretor preferiu eliminar esse personagem e simplificar o espetáculo. Agora, faltaria um pouco menos de uma hora para a primeira exibição e não havia fila na bilheteria, afinal, as gotas ainda pareciam tiros.

Toda a equipe ficou agitada e o diretor começou a ficar irritado… cinco minutos para o estrelato e o teatro ainda estava fantasmático. O diretor chamou todos para o centro do palco e, quando começou a explicar que a noite havia sido um grande fracasso, Berghman, que era o ator excluído da peça, rindo, metralhou todo o elenco. A motivação do personagem sobreposta à do ator era levar todos a apresentar a peça em um outro plano paralelo, onde não chove, além de manter seu personagem.

Por Gilberto Broilo