Exercício literário: “O dragão parecia inofensivo”

Confira os textos recebidos nesta semana, a partir do exercício literário proposto nas redes sociais da Pragmatha Editora aos domingos. O convite é para desenvolver uma narrativa breve a partir da imagem.

O dragão que conhecia a sua força

Danamandia olhou para trás, mas não viu qualquer pessoa a seguindo. A guarda real ainda não acordara nesta madrugada fria e nebulosa. Ela olhou para dentro da bolsa que carregava e apalpou o seu tesouro. O Ovo do Dragão seguia seguro dentro da bolsa de vime que carregava. Enrolado em panos, mantinha o calor que precisava até chegar ao seu destino, o ninho do qual fora tirado.

O dragão seguia acorrentado no calabouço do castelo. Será que conseguiria se soltar ao perceber que o ovo fora tirado do seu lado? 

Danamandia conhecia os dragões como ninguém. Aprendera a montar neles e muitas vezes andara pelas montanhas e entre as nuvens com eles. Rypei era o mais novo e fora capturado cruelmente para satisfazer os caprichos do príncipe.

Ela elaborara um plano com a ajuda da princesa Perla, que também acreditava na liberdade dos dragões como a melhor maneira de proteger o seu reino.

Os guardas receberam um vinho que a princesa havia misturado com as ervas do sono. Quando estavam adormecidos, Danamandia tirou o ovo de perto do dragão que também dormia. Examinou a corrente que prendia uma das patas de Rypei e soube que talvez ele conseguisse rompê-la ao perceber que o ovo não estava lá.

Ela seguia por uma estreita trilha na floresta com árvores altas que impediam que as primeiras luzes da manhã entrassem por entre as folhas. Estava perto do vale dos dragões onde poucas pessoas se atreviam a entrar.

Quando chegou na clareira, um rugido a fez estremecer e sua suposição estava correta. Rypei havia conseguido reunir toda a sua força e romper a corrente que o prendia na parede do castelo. Sua imagem contrastava com o céu azul quando as últimas estrelas ainda se despediam.

Danamandia deixou o ovo no ninho que estava na sua frente e recuou silenciosamente para dentro da floresta. Missão cumprida. Sabia que não poderia acreditar na serenidade de um dragão quando despertassem a ira dele.

Por Elsa Timm

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A escolha

Lara foi com os pais a uma exposição, no shopping da cidade, sobre animais mitológicos: dragões, unicórnios, centauros, minotauros, pégasos. Eram esculturas gigantes, construídas em uma espécie de resina. Pareciam animais reais. Lara simpatizou com um dragão.

Mais tarde, em casa, sentados à mesa para o jantar, a pequena, com seus quatro anos, fala decidida:

— Não quero gato, nem cachorro, nem coelho de estimação. Quero um dragão!

— Um dragão, Lara? Por quê? — indaga a mãe.

— Porque gostei de dragão. Lá no shopping o dragão parecia inofensivo. Fofo. Gostei mesmo!

Os pais apenas se entreolharam e sorriram, não quebrando o encantamento e fantasia em que se encontrava a menina.

Dias depois, quando foram à igreja, Lara ficou impressionada com a imagem de São Jorge derrotando o dragão.

— Puxa, assim como acontece com os humanos, tem dragões bonzinhos e dragões malvados! Tomara que eu adote um dragão bonzinho!

Ah, as crianças…

Por Marilani Bernardes

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Decisão

O dragão parecia inofensivo, mas na verdade só estava tentando me enganar, aguardava a hora certa de se manifestar.

Estava quieto, se fingindo de morto, olhos semicerrados me olhando torto, imaginando me ver destruído e morto.

Um dragão jamais pode ser tratado como animal de estimação, um simples vacilo e será a sua perdição.

À distância, fora do alcance do seu fogo, finjo entrar no seu perigoso jogo.

Preciso aniquilá-lo para seguir em frente, a situação é urgente e a solução se faz premente.

Não posso mais ignorar nem aceitar sua presença, o medo é a mais contagiosa doença e a vida exige que eu o vença.

Manifestação física de todos os meus medos, conjurado pelos meus mais íntimos segredos, insiste em me atormentar desde cedo.

Já brinquei demais com o perigo, ou acabo com ele ou ele comigo, não há nenhum possível abrigo.

Respiro fundo, dou o primeiro passo e ataco mirando seu ponto fraco, chegou a hora de confiar em mim e no meu taco.

Não sou herói nem jamais tive essa pretensão, mas diante da situação, era inevitável entrar em ação.

Não há espaço para nós dois nessa estrada e a partir de agora, só um segue na jornada.

Por Leonardo Andrade

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O dragãozinho

Era um lugar escuro e bem escondidinho. Dava medo! Um barulho como um ronco vinha daquela escuridão. Dois amigos foram lá para descobrir o que tinha neste lugar misterioso. O medo dos amigos crescia e a imaginação inventando mil coisas. Um barulho de bicho grande. Já se sabia que era um bicho e era melhor mesmo ficar. De repente, um barulho de que ele estava levantando. Primeiro a sombra de um bicho grande foi se aproximando e era uma sombra apavorante. Todos de olhos fechados… quando o barulho cessou, os amigos foram abrindo os olhos e depararam com um dragãozinho fofo, carinhoso e de um azulado brilhante. Foi amor à primeira vista!

Por Roselena de Fátima Nunes Fagundes

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O lagarto benfazejo

Conta-se que lá pelas bandas de Guaraná, pros lados de Linhares, nem serra nem praia capixaba, lugar típico para ser esquecido mesmo, um dragão resolveu fazer estada à beira da estrada, onde a placa de “Bem-vindo a Guaraná” tinha inscrito, logo à sua traseira, “Boa viagem, Volte Sempre!”, tal qual era a magnitude daquela población. O dragão mesmo, pobre, mal se cabia por ali: para deixar uma ponta da cabeça no município, era preciso que a cauda já se saísse dele, chegando quase em Córrego d’Água. E como não sabemos se é o rosto ou o rabo que define uma pessoa, caso a mesma lógica valha para um lagarto, é incerto até se ele estivera em Guaraná ou em Córrego d’Água. Um cadinho mais à frente estaria Água Boa, mas esta, sim, já fora confirmada como lenda urbana (ou rural), de modo que um ser existente como um dragão não poderia de forma alguma estar num lugar inexistente ou bebendo coisas inexistentes, como Água Boa, posto que Aristóteles – que fora, por sinal, como cunharam logo o nome do dragão – revirar-se-ia no seu caixãozinho por afrontarem seu tão perfeito e verdadeiro silogismo lógico.

Enfim, como ninguém está lá muito interessado em desafios lógicos ou questionamento a respeito da verdade ou falsidade dos fatos, para evitar quaisquer tipos de aborrecimento ao leitor, cumpre aceitar a paragem de Aristóteles por Guaraná. Ele tinha bigodes cumpridos, de modo que só por isso já fora associado a um sábio e, naturalmente, meia dúzia de sujeitos adotaram a moda de deixarem seus bigodinhos crescerem, o que representa um quantitativo de mais de 80% da população masculina de Guaraná.

Logo mais, entretanto, tendo os bigodes e a sabedoria virado modinha, Aristóteles passou a ser menosprezado por ser muito mainstream. Além disso, mantinha-se sempre quieto, dando só piscadelas com suas pálpebras escamadas muito lentas, e num suspiro para a humanidade voltava a seu cochilo.

Dona Rose Santiago, uma senhora de pernocas flácidas, ótima pessoa, começou a espreitar os informes:

— Olhe, veja só, não se há de confiar nesse que está aí, viu? Escamas desse tipo dá em cobra! E cobra vocês sabem, né? Vem do grego ‘co-‘, com ‘obra’, de modo que toda obra feita assim ‘có-letivamente’, ‘có-operativamente, é obra do Escamoso! Ai que tragédia!”.

Como qualquer argumento vale, até porque cada um faz juízo do seu próprio argumento, então é natural que Dona Rose Santiago considerasse seus argumentos melhores do que os de Aristóteles simplesmente por serem dela. E Aristóteles mesmo era um dragão muito calado, de modo que se não se impõe resistência explícita com força compatível, trata-se, evidentemente, de consentimento. A có-munidade logo se mobilizou, então, para pôr termo àquele lagarto. Arrumaram paus, piquetes, porretes e os mais diversos instrumentos de tortura para fazer sofrer aquela deidade que viera com palavras mudas de silêncio; e o silêncio concordante e consentido incomoda, porque há de sempre se ter razão sozinho para que ela valha alguma coisa.

Dona Rose Santiago liderou:

— Atacai esta besta escamosa!, enviada do Escamoso! que tanto mal tem feito a nossa querida e independente Guaraná! Vejam como pisca os olhos! Vejam como suspira! Vejam como silencia! É uma ameaça bestial que nada tem a ver conosco! Escamosa!

Aristóteles levantou suas asinhas a partir voo e deixou só um bolo de poeira para trás e uma população enraivecida. Foi-se assim como se chegou. O mito ficou. Nunca se explicou quem é que de fato dera o nome Aristóteles ao bichinho, de modo que ficou assente que ele-mesmo, o Escamosíssimo, teria incutido nas mentes das gentes seu nome, para que temessem desde sempre, através de uma hipnose quântica que viria a ser relatada nos livros de psicologia apenas anos depois. Desde então, matam cobras a pauladas por conta de suas escamas; os bigodinhos, por mais charmosos que fossem, conduziam à memória da sabedoria de Aristóteles-Escamoso, de modo que também passaram a ser brega. Mais ainda foi odiado porque não trouxe Verdade alguma. Ao menos Dona Rose Santiago, essa sim, ótima pessoa, pudera identificar com sua autoridade o risco iminente que Aristóteles causava à cidade, que quase virara có-munidade quando se mobilizara, e viveu sua vidinha em paz. Era visitada por todas as pessoas à tardinha, à hora do chá, para dar-lhes conselhos sobre a autêntica convivência, gratidão e a realidade, e ainda tirava um troquinho das pessoas que, muito agradecidas, lhe passaram a pagar já de antemão por proteção caso Aristóteles resolvesse dar as caras de novo. E quem quer que dissesse que Aristóteles-lagartão era lenda, a prova ela-mesma da existência dEle era a fortuna que Dona Rose Santiago em pouquíssimo tempo ajuntara.

Por Rafael Sarto Muller

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A princesa guerreira 

Sempre tive noção daquele monstro que morava dentro de mim. Achava que eu conseguia facilmente controlá-lo e lidar com ele no momento que achasse mais pertinente. Tinha a certeza do domínio sobre aquele dragão enorme que era parte de mim. Ao mesmo tempo, sempre soube o quão perigoso ele era e tinha noção do seu poder. Usei minhas armaduras e lidei com toda e qualquer arma que eu poderia ter para resolver as situações adversas que enfrentei. Acreditava que nessa minha história o dragão ficava preso na torre mais alta do castelo e não a princesa. Neste caso, eu, a princesa, me via como uma guerreira pronta a proteger a minha morada e deixar o dragão sempre adormecido. Diferentemente dos contos de fada, não era vencendo o dragão que se salva a princesa. Na realidade da vida, se você destruir a guerreira, o monstro a devora. E esse monstro pode soltar fogo pelas ventas, labareda essa que queima a alma e corrói os sonhos. Pode ter um olhar maligno, daqueles bem julgadores, que faz a pessoa se sentir destruída e incapaz. E como pesa esse monstro, a ponto que nem da cama posso sair, chego a ficar com o olhar paralisado com o foco para o teto. A respiração nem flui direito, fica ali, concentrada e bem curta no peito, parece que vou explodir de tanta pressão. Como dói todo esse peso e esse sufoco. Por vezes, a sensação da dor física me parece muito menor que essa dor que me dilacera por dentro. As pessoas pensam que isso é frescura ou preguiça, até mesmo que quero chamar a atenção. Atenção de quem? Quando estou assim, só vejo o dragão e o quanto ele se tornou poderoso. Eu me vejo pequena, inerte e vulnerável perante ele. Por mais que eu tente, suas garras são muito mais afiadas e velozes do que quantidade de força que tenho em minha defesa. Só vejo escuridão quando estou com o dragão. Entendo a princesa que dorme na torre e espera alguém que a busque. Ela também é inerte como eu. Já desistiu de tudo e aposta no outro que com um gesto de amor a salva. Um amor que não questiona, simplesmente está ali. Talvez ela tenha entregado seus pontos ou assumido sua posição de ser dominada pelo dragão. Talvez minha luta seja mais difícil porque acho que me viro sozinha. Já não tenho nem mais força pra chorar, para gritar ou espernear. Assumo que preciso de reforços para me ajudar, deveria ter usado essa arma antes, mas não queria acreditar que precisaria. Se a guerreira quiser sobreviver, ela precisará de um domador de dragões que lhe ensinará novamente a domá-lo. 

Por Renata Cavour

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Mágoa

A mágoa absorveu-o por completo. Passaram-se anos e ele não conseguiu entender o porquê de Maria tê-lo traído com seu irmão.

Com os anos a situação foi se acomodando, mas a sua dor persistiu. Algo doía forte demais dentro dele e rasgava o seu coração toda vez que ele pensava no que tinha acontecido.

Envelheceu (antes do tempo) e a mágoa transformou-se em um enorme dragão, com olhos fumegantes que o engoliam por inteiro, dia após dia, ano após ano.

A princípio o dragão parecia inofensivo, mas ele acabou entendendo que tirou a sua vida, quando já estava em estágio final com um câncer no pâncreas. Na UTI ele já não tinha mais a mínima chance de exterminá-lo. Não tinha mais forças.

Por Rosalva Rocha

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