Exercício literário: “Era uma mala cheia de dinheiro”

Confira os textos recebidos nesta semana, a partir do exercício literário proposto nas redes sociais da Pragmatha Editora aos domingos. O convite é para desenvolver uma narrativa breve a partir da imagem.

…………………………………………………………………………

Reação em “cadeia”

Uma mala cheia de dólares despencou do alto do prédio. Por um triz não cai na sua cabeça. Ela não sabe se corre ou se fica. Na pindaíba que anda, bem que umas notinhas daquelas iriam aliviar o peso das contas. Mas e a consciência? Ia ser um peso trocado por outro.

A rua era um beco e não podia ir muito longe com uma mala daquele tamanho. Credo, agora já estava pensando em levar tudo.

Ouve uma sirene. Guardas aparecem e lhes dão voz de prisão: será que leram seu pensamento?

Nem a mão colocou na mala. De repente sua vida poderia ter sido diferente.

Por Marlozi Rosa Bubolz

……………………………………………………………………………..

Mala de dinheiro

Era uma mala cheia de dinheiro jogada ali no canteiro, perto do velho pinheiro.

Foi abandonada por um triste cavalheiro que não conseguiu usá-la para comprar o amor verdadeiro.

Ele comprou terras, bens e até a justiça, que não resistiu ao pecado da cobiça, mas não a dona do olhar que tanto o enfeitiça.

Ele comprou falsos sorrisos, forçada concordância, objetos materiais até com relativa relevância, mas ante seu objetivo, tudo se apresentava sem qualquer importância.

Até pelo fato de não poder ser mensurado, o amor não pode ser comprado, não pode ser avaliado ou quantificado e quem disser que o faz, tenha certeza, está enganado.

Uma mansão não é necessariamente um lar, não é preciso uma Ferrari para um delicioso passear, nem mesmo uma garrafa de Moet Chandon para brindar.

O amor é formado de uma colcha de retalhos, simples, porém naturais, reais e essencialmente imateriais.

O amor nunca é uma troca comercial, fruto de uma negociação banal, essa versão é apenas uma quimera disfuncional.

Infelizmente, ele aprendeu do pior jeito que seu plano deu defeito e precisava ser reparado e desfeito.

Largou a mala no chão, entendeu que, para sua missão, o papel moeda é pura ilusão e jamais será a sua solução.

Soltou-se, abriu as comportas da sua emoção, flexibilizou sua radical razão e, inebriado pela paixão, escancarou seu coração.

Agora, recomeçava seu caminho na correta direção.

Por Leonardo Andrade

………………………………………………………………………..

Uma grande virada

Dura andava por demais a vida de Sara, cursando medicina no Uruguai. Apesar de ser país vizinho, distante somente 500 quilômetros da sua cidade no Brasil, ela estava desanimada demais para enfrentar os dois últimos anos. A universidade estava aquém do esperado e a moradia em um bairro pobre e boêmio lhe dava muita dor de cabeça. Já fora assaltada três vezes. O sonho era estudar na Espanha, na Universidade Autônoma de Madri. Mas era sonho, um sonho distante demais para tornar-se realidade frente à condição financeira de seus pais, que mal conseguiam complementar a sua renda para que finalizasse a universidade e, finalmente, começasse a ganhar algum dinheiro.

No final de 2019, no segundo dia das suas férias, resolveu pedir demissão da lanchonete onde fazia alguns bicos próximo à universidade e rumar para Cacequi, a sua cidade no pampa gaúcho. Comprou a passagem rodoviária com o coração aos pulos e a certeza de que tomaria alguma decisão sobre o seu futuro no pequeno período que ficaria na casa dos pais.

No outro dia, sentada na poltrona 3 do ônibus, já no meio do caminho, ao deslocar os pés sentiu algo duro embaixo do banco. Disfarçadamente, puxou o volume e pôde perceber que era uma mala, uma pequena mala. Aguardou a parada seguinte e, quando todos os passageiros desceram, abriu-a e pôde ver que estava cheia de dinheiro. Desnorteada, tomou-a nas mãos e fugiu.

Seis meses depois seus pais, cientes de tudo o que aconteceu, voaram para a Espanha, para embarcarem no mesmo sonho da filha. Assim como ela, sentiam-se um tanto culpados, mas com a culpa amenizada pela realização de um sonho que poderia transformar muitas vidas num futuro próximo: a filha tinha decidido especializar-se em psiquiatria.

Por Rosalva Rocha

……………………………………………………………………….

Aquela mala

Era uma mala cheia de dinheiro que eu achei no aeroporto. Que surpresa! Dinheiro? Muito dinheiro! Olhei para os lados e ninguém por perto! Olhei a mala de novo e estava ali, parada, quieta e cheia de dinheiro.

Nunca vi tanto dinheiro assim na minha frente e nem momento algum. Pensei em pegá-la e sair normalmente. E se alguém percebesse? E as câmaras do aeroporto? Minha imaginação balançou, dançou e alcançou voos intermináveis. Tanto dinheiro assim me proporcionaria sonhos sonhados e guardados no coração. Viajaria o mundo todinho! Compraria casas, carros e tudo o que eu quisesse. Realizaria todos os meus sonhos. Parei de repente de sonhar e olhei a mala de novo. Ali estava ela! Minha consciência danada me cutucando: não é sua! Devolva ao aeroporto e siga sua vida. Uma luta me dominou, mas quem venceu foi minha consciência. Entreguei a mala! Estava em paz comigo mesma. Este foi o melhor negócio.

Por Roselena de Fátima Nunes Fagundes

………………………………………………………………………………..

A proposta 

De repente, Adalberto abre a mala na minha frente, repleta de dinheiro. Fico até imóvel com toda aquela grana, que nunca tinha visto junta, tão perto de mim. E ele dizia: essa proposta é irresistível. Até uma gota de suor escorre pela minha testa. Ele repetia pausadamente: ir-re-sis-tí-vel. A cada sílaba, minha cabeça entrava em slow motion e eu pensava o quão irresistível realmente era a proposta. Afinal, qualquer amigo meu me diria o quão louco eu seria em não topar, que é a oportunidade da vida, que ninguém na minha idade ganhava aquilo tudo. Eu tenho sonhos e aquele dinheiro me permitiria viver todos e criar mais alguns.

Então, por que cargas d’água estou tão reflexivo assim? Se um em um milhão tem essa chance e eu ganhei nessa loteria da vida, por que estou olhando para tudo com olhar de desdém? Adalberto logo percebeu que eu não estava tão empolgado como ele achou que eu ficaria. Certeza que pensou que eu iria me ajoelhar e ser grato por toda a minha vida, prometendo dar o melhor de mim para ser tão merecedor. Mas eu fiquei com o olhar parado, meio perdido, sem expressar nada. Adalberto tentou quebrar o clima e perguntou se eu estava emocionado com o momento, dando um riso meio desconfiado. Sem dúvidas estou, respondi, tentando apaziguar o momento.

Adalberto respirou mais profundo e logo perguntou: podemos assinar então o contrato logo? O papel na minha frente parecia dançar e as letras se misturavam de forma tão veloz que fiquei tonto. Dei um sorriso amarelo e Adalberto pareceu mais impaciente. Preciso pensar, falei meio trêmulo. Adalberto deu um pulo para trás como se eu tivesse xingado sua mãe. Deu uma risada incrédula, como se eu fosse o ser mais idiota do mundo. Bem, para ele eu deveria ser. Achou pouco é? E riu mais, entendendo que aquilo deveria ser um jogo meu. Não senhor, eu só preciso pensar, respondi sem demora. Ali ele me achou louco e debochado.

Não o julgo, também acharia. Ele saiu da sala enfurecido e repetindo a frase injuriado: preciso pensar, AFF, veja se pode, só me faltava essa. Sozinho na sala, com aquele contrato na mão, longe daquela mala cheia de dinheiro e da pressão do Adalberto, consegui respirar profundamente e voltar a ler a proposta. Tinha certeza de que meu feeling deveria estar me mandando recado, que meu mapa astral não estava alinhado em seu melhor desenho e que o santo não bateu com alguma coisa… Só precisava descobrir o que era. Não tinha dúvida que ali tinha algo semelhante a Fausto e Mefistofeles, afinal não existe almoço de graça. A esmola era de mais e o santo tava mais do que desconfiado, ele tava era cabreiro. E lá estava a cláusula que eu vendia a minha alma, que me exigia fidelidade e exclusividade por alguns anos, que dizia que eu deveria estar sempre disponível e com isso teria uma conduta exemplar. O pacto era venerar a empresa sobre tudo e todos, estar aos finais de semana de sobreaviso e ligado no email 24 horas por dia. Era estar presente e disposto todos os dias do ano, independente de aniversário de filho ou morte de parente. Era usar o famigerado celular corporativo sem chance de ignorar ligações nos feriados ou nas férias. Ter o notebook mais potente para estar bem equipado para qualquer demanda que a empresa possa ter, a qualquer instante e de qualquer lugar. A proposta irresistível de gerir algo sem que possa gerir a minha própria vida, ganhando um dinheiro alto que nem vou conseguir gastar.

A proposta era assumir era assumir o cargo do Ernesto, que estava fora há um tempo por licença, licença psiquiátrica. Lógico que sempre foi dito que Ernesto era um sujeito muito bom, mas não tinha tino para os negócios, e aproveitou mal a oportunidade que Deus lhe deu. Agora, estou eu aqui renegando a Deus por sua benevolente oferta ou tendo a certeza de que Ele existe e clama para que eu seja sensato? Se dinheiro na mão é vendaval, cabe a mim entrar nesse tufão?

Neste momento, meu celular vibra e chega uma mensagem, não de Deus, mas de minha mulher, que parece me conhecer mais do que eu ou possuir poderes mediúnicos. Ela simplesmente escreveu: vem logo, estou te esperando. Fechei a pasta da proposta, respirei profundamente e apaguei a luz da sala. Recebi uma proposta ainda mais irresistível do que a de Adalberto e essa, realmente, não posso negar.

Por Renata Cavour

……………………………………………………………………………………….

A mala

Átila sonhou que havia encontrado uma mala cheia de dinheiro. O primeiro pensamento foi ficar com aquele montante, pois estava atolado em dívidas e isso resolveria sua vida. Depois pensou que era errado. Não sendo sua, iria apresentar a mala à polícia.

Estava nesse dilema quando acordou. E seguiu com os compromissos do dia, esquecendo-se do sonho.

Dias depois a campainha toca. Era sua avó Clotilde que estava à porta, com uma mala muito semelhante à que Átila viu no sonho.

— Estou vindo morar com você!

— Mas vovó…

— Nem discuta! Eu preciso de você e você precisa de mim. Vivendo assim sozinho, não sabe se cuidar direito, e eu já quero ficar com alguém da família.

Átila cedeu, embora assustado. Pouco convivera com a avó. Será que daria certo?

E a avó se tornou excelente companhia, mudando a vida de Átila de um jeito que ele não esperava. Estava aprendendo tanto com ela! Sentiam-se felizes um com o outro.

Um dia, ao chegar em casa, viu a avó limpando a mala. Isso fez Átila lembrar do sonho e pensou o que ele poderia significar. A mala representava uma riqueza que ele receberia logo adiante: a linda experiência de viver com sua doce avó.

Por Marilani Bernardes

…………………………………………………………………………………….

Feliz do seu jeito!

Dia cinzento, meio sem inspiração. Afonso perambulava pelas ruas da cidade com uma mala, provavelmente, pesada. Às vezes acomodava ao chão, outras tantas arrastava a ponta da alça, já quase se rasgando, porém firme, quase colado ao corpo. Na expressão, um rosto cansado, talvez sufocado ou entediado. Olhava para os lados como se estivesse meio confuso ou desacreditado da vida.

Em um dado momento conscientizou-se de que não tinha família, nem amigos e muito menos um lugar para morar. Ao encontrar um espaço descampado, abriu a mala, olhou o conteúdo e pensou no que faria com tanto dinheiro. Primeiro procedimento foi mudar o visual, comprar algumas roupas novas, de grife. Julgado pela aparência, vetaram a sua entrada. Desapontado, seguiu até uma barbearia. Ninguém se importou com sua presença. No supermercado foi vigiado como se desconfiassem de sua conduta, fato que o fez refletir. Se comprasse o que tinha vontade e apresentasse dólares, será que o confundiriam com bandido? Como tinha noção da importância dos valores que carregava, certamente não valeria a pena, porque as consequências poderiam ser ainda piores. Pensou em depositar no banco, mas como explicar sua origem? Chegou à conclusão de que não precisava dar satisfação para ninguém, no mundo onde todos têm os mesmos conceitos e as mesmas ideias, ser diferente é não ser compreendido.

Viver era seu lema. Construiu um mundo só dele e nele sentiu-se realizado. Porque era da sua forma de pensar e agir é que dependia o seu modo de viver, e não a opinião dos outros. Carregava valores na mala, como também em si próprio. Bastava unir os dois, o suficiente para ser feliz do seu jeito!

Por Nelci Bach

……………………………………………………………………

Dinheiro limpo não é lavado

Marcus está atrasado. Vai fazer um cruzeiro pelas Maldivas. Chama um Uber, que cancela a viagem de última hora. Chama outro, está nervoso, puxa sua mala para lá, e para cá, sabe que não pode perdê-la, ali está a sua vida. O clima não está colaborando, mudou rapidamente, estava um sol de rachar, agora começa um vento de leve, com a tendência de aumentar. De repente, até parece que é um ciclone, sua mala é arrancada de sua mão e bate em um poste. A chuva torrencial começa. A mala se abre. Marcus olha sem acreditar no que está vendo. Sabe que não pode fazer mais nada. Olha para o dinheiro molhado, uns transeuntes pegando. O Uber chega, ele resolve entrar, vai sim para Maldivas, agora para pensar. Levaria o dinheiro para a transformação lá, mas quiseram se limpar antes de chegar — Marcus pensou e sorriu. Não adiantava ficar emburrado mesmo. De onde vieram aqueles lavados viriam outros para serem limpos. Ele sabia disso.

Por Giovana Schneider

…………………………………………………………………………

A  mala

Quando a pandemia começou, ela achou que o pesadelo duraria alguns meses. Aguentaria este tempo sem precisar fechar a loja que inaugurara há dois meses.

Ivi era uma mulher jovem e destemida. Alta, morena, de longos cabelos cacheados, não tinha apenas na beleza física os seus melhores atributos. Dona de raciocínio rápido, conseguira as melhores notas durante o curso de administração de empresas, sem muito esforço. Sorridente de fala pausada, amigos não lhe faltavam.

A vida seguia seu rumo sem previsão de grandes sobressaltos. Os pais eram verdadeiros anjos flutuando em torno de sua única filha. Tinham lhe emprestado o capital necessário para começar a sua trajetória empresarial. Ela escolhera o local de sua loja depois de uma pesquisa extensa. A rua adjacente à principal, arborizada, costumava servir de atalho para as pessoas chegarem à praça. Em uma cidade grande como a capital, era importante pensar em todos os detalhes: estacionamento, fluxo de pessoas, necessidades dos consumidores. Enfim, acreditava que conseguira aplicar o que aprendera no mundo acadêmico.

Pedira aos convidados da formatura e seus parentes mais próximos dinheiro em espécie como presente. Planejava fazer compras no exterior e surpreender seus clientes com objetos úteis, mas desconhecidos no cotidiano delas.

A loja de presentes havia se tornado um ambiente acolhedor e iluminado, porém, para o seu grau de exigência, faltavam objetos diferenciados que, em breve, pretendia comprar.

Tirou algumas caixas da prateleira; atrás delas, uma tábua solta escondia a mala cuidadosamente guardada com o dinheiro que  ganhara e guardara no último ano.

Decidiu levar a mala para casa. Havia indícios de que o comércio talvez tivesse que fechar as suas portas por mais tempo e não queria deixar a sua pequena fortuna ali, sozinha, à mercê de um assaltante.

Olhou em volta e tudo parecia arrumado e fechado. Bateu a porta da loja com a mala na mão e se encaminhou ao estacionamento na praça, onde deixara seu carro, um Gol branco 2012.

Não havia muitas pessoas circulando nesta época. Era quase como se estivesse numa cidade fantasma, sem trânsito e sem transeuntes se acotovelando pelo centro. Caminhando distraidamente, parou para comprar um sorvete na sorveteria da esquina da praça. Procurou sua carteira na bolsa e pagou ao sorveteiro agradecido. Dirigiu-se finalmente ao carro saboreando seu doce predileto.

A viagem até a sua casa costumava ser estressante em horários de final de tarde. Hoje parecia estar numa auto estrada. Ao chegar em casa, sua mãe a recebeu na porta com um abraço fraterno e a questionou sobre a mala que disse que pretendia trazer.

A mala! Ivi sentiu o sangue fugir de suas faces, as pernas pareciam carecer de músculos, se apoiou na porta, largando a bolsa no chão. Ela entrou no carro e velozmente fez o caminho inverso. Desceu e entrou correndo na sorveteria perguntando pela mala.

Ah, sim” respondeu o sorveteiro. Recém vi uma família passar na porta com uma mala na mão.

Ivi pôde ver do outro lado da rua uma família que dividia um banco da praça e, com olhos arregalados, seguravam a sua mala aberta.

Atravessou a rua e se dirigiu apressadamente até onde estavam.

“Vocês encontraram a minha mala”, disse, fechando-a e tirando-a do colo do homem. “Muito obrigada”, acrescentou, tornando a atravessar a rua.

Ao entrar no carro se deteve a olhar para a família sentada no mesmo banco, calados e imóveis. Não tinha reparado que as crianças estavam descalças e que o casaco puído e desbotado da mulher mal chegava aos punhos. O homem era muito magro, parecia que apenas a pele cobria o esqueleto. Com o olhar desesperançado fixo no infinito, segurava a criança menor pela mão.

Ivi tornou a se dirigir para a praça carregando sua mala. Ao chegar perto da família, disse com a voz baixa e envergonhada.

“ Desculpem a forma como agi com vocês, mas estava muito preocupada em recuperar a mala.”

No banco ao lado, abriu a mala e tirou quatro pacotes de dinheiro, firmes pelo elástico, e os estendeu ao homem.

“ Talvez eu possa ajudá-los!”

Com a mão magra e encardida, o homem segurou o dinheiro, agradecendo com um sorriso radiante.

Ivi se virou e foi embora certa de que, melhor do que ser feliz sozinha é contribuir para a felicidade de alguém.

Por Elsa Timm

…………………………………………………………………………….