Exercício literário: “Aquele paraíso escondia um segredo”

Confira os textos recebidos nesta semana, a partir do exercício literário proposto nas redes sociais da Pragmatha Editora aos domingos. O convite é para desenvolver uma narrativa breve a partir da imagem.

Não se permita enganar

Aquele paraíso escondia um segredo, impossível ser tão perfeito, algo não estava direito. Com certeza existe algo oculto, um etéreo vulto ou um mascarado insulto. É inimaginável ser irretocável, certamente existe um ponto vulnerável. É preciso ir além da enganosa imagem, decifrar as ilusões da miragem e mapear a viagem.

Mesmo que não estejam expostos, sempre existem dois lados opostos com motivos complexos e compostos. Se limitar a superfície é um grande perigo, preste atenção no que digo. É necessário explorar muito mais, ver o que há por trás, sair dos arredores do maquiado cais. Muito cuidado com a primeira impressão, ela pode se mostrar uma grande ilusão e encarcerá-lo numa prisão.

Às vezes, por trás de um paraíso aparente há um inferno terrível e bem quente. Nunca é muito cedo para ter medo de um segredo. Busque enxergar além da restrita visão do olhar, se nada de estranho vislumbrar, olhe mais vezes até achar, não se permita enganar.

Por Leonardo Andrade

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O segredo

Ninguém conseguia entender por que aquele jovem casal, tão apaixonado, feliz e gente boa, fora encontrado morto às margens do rio.

À época as investigações concluíram que as mortes teriam sido por envenenamento, mas era uma história nebulosa, envolvendo famílias um tanto enigmáticas, fechadas para qualquer assunto a respeito.

Muitos anos se passaram. A paisagem daquele lugar foi se modificando. Tornando-se um local cada vez mais procurado por seus encantos, aos poucos foram surgindo edificações e melhorias nos arredores da praia.

Numa dessas, quando estavam escavando para construir sombreiros em sapé, um dos trabalhadores encontrou enterrado um pequeno baú em madeira nobre. Dentro dele uma grande revelação: duas correntes em ouro, com nomes gravados em uma placa, e a mesma inscrição logo abaixo: amor para sempre. E uma folha de papel dobrada contendo a seguinte mensagem escrita caprichosamente com caneta tinteiro: Nosso amor se tornou impossível ao descobrirmos que somos irmãos! Preferimos a morte agora! Talvez algum dia, em alguma outra vida, tudo possa ser diferente! Luiza e Tobias

Aquele paraíso escondia um segredo.

Por Marilani Bernardes

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O nosso paraíso

O tempo não passa por aqui. A beleza é tanta que os minutos se eternizam em contemplação. Nada pode alterar o curso da água, do vento e das árvores. É paz na melhor acepção da palavra. Ao mesmo tempo, é vida, uma vida que parece ser plena em todas as suas nuances.

Eu amo chegar neste lugar. Não tenho pressa para sair. Não tenho medo de nada.

Aqui eu fico sozinha sem meus fantasmas. Possivelmente eles não se adaptem aqui.

Eu, meus pensamentos e minha gratidão. Gratidão porque eu volto sempre aqui para agradecer o que me tornei contigo. Aqui, neste paraíso, após a tua partida, foram espargidas as tuas cinzas e continuas agindo pelos ares com a tua brandura. Fico bem porque comungo da certeza de que estás bem, porque continuamos unidas pelo amor. Este paraíso esconderá para sempre este segredo que é só nosso, mãe!

Por Rosalva Rocha

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Acho que não

— Mas aquele paraíso esconde um segredo.

—  O que a senhora quer dizer com isso?

Silêncio.

—  Senhora?

— Quando o presidente liberou a compra de armas, meu marido foi um dos primeiros a comprar uma.

—  E o que isso tem a ver com aquele parque?

Silêncio.

—  Senhora?

— Ele me agredia quase todos os dias, quando não era fisicamente, era verbalmente. Uma de minhas amigas, sem saber disso, me ensinou a usar a arma. A marido dela tinha comprado uma após a liberação também.

— E o que houve?

— Quando fomos ao parque…

Silêncio.

— Senhora?

— Quando fomos ao parque, ele me agrediu dentro do carro. Eu saí correndo com minha bolsa, e ele veio atrás de mim. Mas deu tempo de eu pegar a arma e atirar na cabeça dele.

— E o corpo?

Silêncio.

— Senhora, e o corpo?

— Eu o puxei para perto do penhasco e atirei-o lá.

— A senhora está arrependida?

Silêncio.

— A senhora está…

— Acho que não.

Por Márnei Consul

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O segredo às margens do rio

Morar em uma praia fazia parte do meu imaginário desde a infância. Não importava se fosse de um rio assoreado ou de um mar com areia fina ou seixos, como em Cannes. O importante é que devia ter água se houvesse barulho de ondas, então, seria a perfeição!

Parada na ponte antiga, eu enxergava a cidade pequena e também os casarões que ocupavam a margem do rio antes de desembocar no mar. Todos tinham um pequeno trapiche onde estavam ancorados os barcos, na entrada da marina. Pensei que este seria um bom lugar para morar quando me aposentasse, mas teria que ter um aumento salarial substancial para comprar uma casa assim.

O salário de policial não era tão ruim, somando as promoções e prêmios pelos casos resolvidos. Pensando bem, talvez pudesse sonhar com a menor delas.

O dia estava terminando e caminhei de volta ao hotel na entrada da cidade. Estava aqui a trabalho e teria que deixar meus devaneios para outra ocasião. Esse lugar paradisíaco parecia esconder um segredo. Em três anos, quatro crianças haviam desaparecido na região e a última fora vista na ponte que eu atravessava no momento. A suposição de que tivesse caído no rio foi descartada depois de extensas e infrutíferas buscas realizadas por mergulhadores. O menino chamava-se Igor, tinha oito anos, cabelos ruivos encaracolados e fora visitar um colega de escola que morava na beira do rio. No trajeto de volta, parecia ter sumido e ninguém sabia precisar se encontrara alguém conhecido no caminho.

A noite estava estrelada e convidativa para prolongar o passeio, mas eu teria um longo dia amanhã entrevistando pessoas e familiares do Igor. Com o passar do tempo, os sinais mais importantes são apagados e precisava contar com a sorte para encontrar algum indício ignorado pelos meus colegas. Eu não era conhecida na cidade e poderia ser confundida com algum turista como tantos outros que lotavam a cidade na primavera e no verão.

Levantei cedo no outro dia e caminhei para o cais no porto. Encontrei uma embarcação pequena e perguntei ao pescador do barco se me levaria para conhecer os arredores das praias e a margem do rio. Costumava fazer esses passeios mais tarde, explicou.

Partimos. A paisagem da cidade vista do mar era deslumbrante. Entramos no estuário e ainda havia vestígios da água verde do mar. Fiquei surpresa com a extensão e a largura do rio. Passamos por uma pequena balsa ancorada no meio do rio, na qual havia duas cadeiras reclináveis e, naquele momento, um rapaz apagava a luminária pendurada em um lindo arranjo vintage. Uma pequena canoa o aguardava ao lado da balsa.

O barqueiro, vendo minha curiosidade, comentou:

— Estes lugares são usados por namorados que compram alguns horários no Bar Lenda, junto com uma cesta de guloseimas e bebidas. Nas margens do rio, as pessoas estavam acordando e saindo de suas casas. Algumas pareciam prontas para começarem suas atividades físicas, outras estavam sentadas nos jardins em volta de mesas com o desjejum servido.

Em uma área pouco povoada, uma mulher, trajando um vestido que beirava o seu tornozelo, caminhava aflita na beira do rio com uma boneca na mão.

— Quem é ela? perguntei, apontando para a mulher.

—  Ah… essa é a Cidinha Louquinha, coitada… não faz mal a ninguém, fica caminhando todas as manhãs na margem do rio chamando pelo filho que morreu afogado há cinco anos. Os moradores costumam oferecer-lhe pequenos trabalhos de limpeza das marinas.

O barco fazia um ruído cadenciado e o silêncio nos acompanhou pelo resto do caminho.

Paguei o barqueiro ao chegarmos e me dirigi à delegacia de polícia, onde um café me esperava. Policiais conversavam, trocavam informações e redigiam documentos enquanto se perguntavam: onde está o Igor? Pelos detalhes da investigação, eu podia ver que as equipes haviam feito uma busca minuciosa e entrevistas com todos os conhecidos da criança. Nenhum rastro, nenhum indício fora encontrado.

No dia seguinte, procurei o barqueiro novamente e repeti nossa incursão pela beira do rio. Levei uma bola em uma sacola, pois uma ideia começara a tomar forma em minha mente.

— A senhora parece ter gostado do passeio, comentou o barqueiro sorrindo, enquanto me ajudava a subir no barco.

Seguimos direto pelo rio, pedi que ancorasse em uma margem desabitada e aguardasse.

Subi a pequena encosta me agarrando nos arbustos que acompanhando o rio. Caminhei na margem passando por uma curva onde tinha visto a mulher caminhando no dia anterior. Logo a encontrei com sua boneca. Tirei a bola da sacola e, atirando-a levemente para cima e pegando-a novamente, caminhei em sua direção.

— Viu o meu filho? — perguntou ao encontrar-me.

Os cabelos grisalhos estavam despenteados, usava o mesmo vestido e apertava a boneca contra o peito.

— Ainda não, respondi. Mostrei a bola para ela e fiz a pergunta:

— E o meu? Viste ele? Só achei a sua bola. Tem os cabelos avermelhados e é desse tamanho!, mostrando com a mão.

Ela abriu um sorriso e se aproximou do meu ouvido.

— Está brincando de esconder com o capitão, sussurrou, rindo mais ainda.

Sorri também, a imitando.

— Poderíamos brincar, também! — falei baixinho.

— O capitão não gosta — disse, olhando à volta.

— Ele não precisaria saber — respondi.

Olhando para o rio como se fosse se certificar de que ninguém estivesse vindo, segurou minha mão e me conduziu até uma marina pequena, fechada, assim como a casa nos fundos dela.

— Não faça barulho, o capitão saiu para procurar meu filho no mar e deixou o menino aqui. E se abaixou enquanto falava.

Uma pequena janela mostrava que a Marina tinha uma espécie de porão. A vidraça suja e quebrada estava cercada de capim alto e arbustos espinhentos. Espiei pela janela e prendi a respiração. Lá estava o menino com os cabelos dourados, sentado no chão, amordaçado, preso por uma corda.

Cidinha emitia gritos baixinhos, entre sorrisos.

— Achamos, achamos… agora vamos esperar o  capitão. Ele vai voltar logo com o meu filho e levar o menino novamente.

Olhei em volta, procurando uma porta, tateando nas madeiras descascadas da marina. Encontrei-a com correntes presas em um cadeado.

Mostrei a curva do rio para Cidinha e pedi que fosse se esconder atrás dela, pois seria a vez de nós a procurarmos. Deixei que se afastasse correndo enquanto tirava a minha arma da cintura.

A madeira à volta da velha fechadura se esfacelou no segundo tiro. Empurrei a porta e desci os degraus procurando ajustar minha visão à penumbra.

Ali estava ele, sentado no chão úmido, com o olhar aterrorizado.

Procurei acalmá-lo, enquanto usava o rádio e me comunicava com a central da delegacia.

— Achamos o Igor. Estou com ele.

Por Elsa Timm

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Meu paraíso particular 

Que belo luar tem meu paraíso secreto. Às vezes, preciso de um tempo para mim e vou para o meu canto. Geralmente não conto para ninguém onde estou. Meu encontro é somente comigo mesmo e a paz que esse lugar tem. Aqui consigo ser eu mesmo. Leio meu livro ou cantarolo uma música, não importa, tudo aqui tem um pouco de mim. Ou eu que tenho um pouco desse lugar? Tanto faz, o tempero especial talvez seja a mistura do que eu me dou e do que eu recebo. Essa é a magia. Vejo tantas pessoas que não conseguem se encontrar nunca na vida, mas vivem em busca de si. Elas não encontraram seu paraíso secreto. E ele não precisa ser Noronha ou Paris, que apesar de serem lindos, só tem a real beleza se os olhos souberem observar e ver com calma seus detalhes. Quando treinamos nossos olhos tudo passa a ser bonito e especial. E este treino é muito profundo, pois o olhar é guiado pelo que sentimos, que pensamos e o que nos permitimos sentir ou pensar. Vai dizer que você nunca esteve em um lugar incrível, mas nem achou tão bacana assim? Ou, ao contrário, já esteve em lugar simples e que tenha sido uma experiência incrível? Viu só! Você não precisa só de belezas externas. O segredo do paraíso é o que está internamente. Até porque, se você permitir, saímos do éden para o inferno em uma piscada de olho, ou uma aceleração de respiração ou num pensamento negativo. O segredo do paraíso é ser você e o que busca para si. Encontrar seu paraíso secreto é um convite a se gostar mais, é ter autocompaixão, mas isso não quer dizer ter pena de si. É saber suas forças, mas também se permitir se vulnerável e achar beleza nisso. É reconhecer que o amor-próprio não é egoísmo, mas é valorização pessoal e que tudo bem dizer não para o outro, não é só você que precisa de limites. Até o paraíso precisa de regra, mas a regra não precisa ser sofrida. O paraíso é o propósito, é o caminho da prosperidade. O segredo é entender o mapa. E aí? Você já achou seu paraíso?

Por Renata Cavour