Exercício literário: “A tempestade não dava trégua”

Confira os textos recebidos nesta semana, a partir do exercício literário proposto nas redes sociais da Pragmatha Editora aos domingos. O convite é para desenvolver uma narrativa breve a partir da imagem.

Uma chance

Fomos obrigados a ficar ali, naquela pequena ilha, porque a tempestade não dava trégua. A água era tanta que mal conseguíamos olhar um no olho do outro. A ilha era tão pequena que podíamos pensar que era só nossa, assim como era só nosso o sentimento de vazio por termos decidido tomar rumos diferentes naquela altura da vida. Foram anos de felicidade seguidos de outros nem tanto, onde a solidão começou a tomar lugar no nosso universo, acostumado com movimento, paixão e tesão. A solidão balançou-nos e, em pouco tempo, transformamo-nos em outras pessoas apáticas, amargas… Até que decidimos pegar pela última vez o nosso barco – já estávamos em processo judicial de separação – e atracarmos na pequena ilha onde fizemos amor pela primeira vez. Foi providencial a decisão, porque a chuva torrencial aliou-se a nós e, aos poucos foi serenando, assim como os nossos corações. Conseguimos, em paz, enxergar, através do sentimento, que nada é eterno, que a vida tem as suas nuances e que poderíamos dar à nós mais uma chance. E assim o fizemos!

Por Rosalva Rocha

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Sinal de luz
A tempestade não dava trégua enquanto ela dirigia enlouquecida com o corpo do marido se esvaindo em sangue no banco de trás. Ela o tinha matado a facadas em casa durante o sono dele. Havia decidido fazer isso, porém não pensou em como se livrar do corpo, ou que desculpa inventar, ou que crime dizer ter sofrido, ou sei lá. No desespero, colocou o corpo no carro e saiu.
Um caminhão deu sinal de luz e buzinou ao passar por ela, talvez, porque estava com a luz alta acionada. Tomada pela raiva e querendo atirá-la em alguém/algo, puxou o volante bruscamente para a esquerda, a fim de perseguir o caminhão e também dar sinal de luz e buzinar para ele. Não foi possível. Seu carro capotou quatro vezes. Sim, ela conseguiu contar o número de capotagens, pois era o mesmo número de anos de casamento. Não viu mais sinal de luz, só de escuridão.
Por Márnei Consul

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Tempestade na montanha

Não foi uma boa escolha a decisão de rever sua terra natal nesta época de chuvas, mas nada a teria preparado para aquela tempestade extrema que teria q enfrentar.

Christie era uma mulher jovem, advogada, com uma carreira promissora em um importante escritório de advocacia, na capital. Nascida e criada em uma pequena vila no interior do município de Santos, costumava rever a sua terra natal pelo menos algumas vezes ao ano. Mantinha a casa que pertencera aos pais, mesmo que lhe custasse mais dinheiro do que pretendia investir na propriedade. A maior parte das casas estava abandonada, os moradores haviam se mudado para a cidade em busca de empregos para si e para os filhos. Nem todos tinham recursos para manter a propriedade habitável.

Ela fazia longas caminhadas até as montanhas que cercavam a aldeia que vista do alto, ficava encantadora com seus telhados vermelhos, chaminés fumegando e as pastagens verdes que a cercavam.

O dia começou como qualquer outro. Christie chegara na aldeia no dia anterior e, como sempre fazia, não ligara a televisão nem carregara o seu celular. Precisava de um tempo para si e seus pensamentos.

Ela calçou os tênis confortáveis, colocou o boné e saiu para a sua corrida. Avistou um camponês ao longe conduzindo alguns terneiros para a pastagem e acenou para ele, quando este levantou a cabeça para olhá-la. Seguiu a trilha para a montanha e vinte minutos depois, estava ofegante, sentada em uma pedra.

— Falta pouco − pensou enquanto olhava o cume da montanha.

Ao chegar perto, pequenas pedras começaram a rolar enquanto avançava na trilha. Olhando para o céu, viu que nuvens escuras estavam se formando rapidamente e os primeiros relâmpagos eram visíveis no horizonte.

— Não posso demorar concluiu ao se deitar na relva para descansar.

O estrondo forte do trovão a fez abrir os olhos enquanto o dia parecia ter virado noite. Ela levantou em um salto enquanto começava a descida. Não havia andado nem 50 metros quando os primeiros pingos de chuva a alcançaram. Maldizendo sua imprudência por não prestar atenção ao canal do tempo, lá estava ela, tentando enxergar a trilha naquele aguaceiro que se formou em minutos. Raios pareciam cair ao seu lado, pedras soltas passaram por ela quando iniciou a descida.

— Oh, Deus meu, não vou conseguir. A tempestade trouxe ventos fortes e num primeiro momento pensou em se abrigar numa árvore robusta que enxergou através de uma cortina de água.

Lembrou das palavras do pai ao recomendar que se afastasse das árvores em tempestades. Escorregou e caiu sentada, rolando alguns metros enquanto as pedras desciam ao seu lado.

Ela começou a rezar baixinho quando uma árvore atingida por um raio caiu a poucos metros de onde estava, acompanhada por um barulho apavorante. A árvore caída ainda fumegava quando percebeu que a trilha fora toda coberta pelos galhos caídos.

Ela começou a chorar e as lágrimas se confundiam com os pingos de chuva que caíam incessantemente. Para contornar a trilha teve que entrar na mata que, neste momento, lhe parecia mais perigosa do que nunca. Os arbustos espinhentos começaram a rasgar a sua pele, enquanto procurava a saída.  Em breve chegaria a noite, e ficaria mais difícil ainda. Estava na parte da mata fechada. Um novo estrondo do trovão e a mata clareou com a luz do raio que seguiu. Christie tapou os ouvidos, se encolheu e soltou um gemido de pavor. Aproveitou a luz do raio para olhar em volta, mas nenhuma pista da trilha aparecia. Deu mais um passo na escuridão e começou a resvalar, tentando se segurar em algum tufo de capim, foi escorregando até tudo escurecer em sua volta e perdeu os sentidos.

Christie acordou com alguém dando tapinhas em seu rosto e chamando:

— Moça, moça, acorde….

A luz do sol penetrava por entre as árvores altas, ofuscando seu olhar.

— Onde estava ? Quem lhe chamava?

Virou o rosto devagar e encontrou um semblante desconhecido lhe fitando. O homem ajudou a lhe levantar, perguntando se estava ferida.

— Meu braço, disse ela mostrando um hematoma perto do punho.

Ele colocou o braço ileso em volta de seu pescoço e foi lhe ajudando a dar os passos que faltavam até a clareira e lá, estava a trilha. Estivera bem perto.

Foram descendo a montanha devagar, esperando a ambulância que fora chamada pelo homem que lhe amparava. Christie perguntou seu nome.

— Sou o Pedro, ele respondeu. Estava levando meus terneiros para a pastagem quando lhe vi subindo a montanha ontem. Passei em sua casa e vi que estava fechada. Com este temporal, imaginei o pior.

Christie fechou os olhos agradecida. Talvez um simples abano, tivesse salvado a sua vida.

Por Elsa Timm

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Tempestade

A tempestade não dava trégua. Mirela olhava aflita pela janela do quarto no apartamento do amante.

Preciso ir embora! Logo vão começar a me procurar!

— Calma, minha flor! Se ligarem, diga que vai passar a noite na casa de uma amiga.

Nisso o celular de Mirela toca. Era a filha adolescente:

— Mãe, onde você está?

— Ah, querida… passei na casa da Fátima depois do trabalho. Caiu essa tempestade louca e agora vou precisar passar a noite aqui. Amanhã cedinho estou de volta. Fiquem bem.

Apressou-se em desligar, tão nervosa que estava.

Na manhã seguinte, passada a tempestade, Mirela sai do apartamento. Bate a porta. Ao dar meia-volta, encontra o marido, saindo do apartamento em frente. Sobressaltados, os dois perguntam praticamente juntos:

— Você aqui?

— Passei aqui na Fátima ontem e tive que ficar, por causa daquele tempo horrível…

— A Fátima não mora no outro lado da cidade?

— Ah, mudou-se há pouco para cá. E você?

— É… passei aqui no Dantas para acertarmos umas coisas do trabalho e tive que ficar também.

—  O Dantas não estava no exterior?

— Não te falei. Voltou há pouco. Estamos trabalhando juntos novamente.

Mirela sabia quando o marido estava mentindo, porque ele falava sem jeito e ficava ruborizado. Mas ela não se achou no direito de indagar mais nada.

E seguiram os dois, de mãos dadas, para casa.

Por Marilani Bernardes

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Encarando a tempestade

A tempestade não dava trégua, não parava nem por um instante, o martírio era incessante. Nuvens carregadas choravam em torrentes molhadas, deixando as estradas alagadas. Estou involuntariamente preso, sem poder sair, a vida continua e não posso seguir. A chuva não dá nem uma ínfima brecha, a janela do tempo cada vez mais se fecha. Não tenho forças para encarar essa monção, não tenho ideia de como sair dessa situação. Tenho que me mexer, não posso ficar encolhido e escondido ou logo tudo estará irreversivelmente perdido. Preciso encarar esse dilúvio mesmo estando despreparado, assumir e reparar o que fiz de errado e conviver com os fantasmas do passado. Só eu posso parar essa tormenta que vai me matando de forma torturante e lenta. Urge religar meu farol e resgatar o desaparecido e aprisionado sol. Enfim, sei que a saída sempre esteva em mim, só eu posso modificar o fim. Seco as lágrimas e me perdoo , abro as asas e ensaio um novo voo. Abro a porta com dificuldades, mas saio confiante e sem medo, pronto para reescrever esse enredo, consciente que perdoar e acima de tudo, se perdoar é o grande segredo. Encaro a parede de água de frente, permito que me molhe, afinal, sou uma nova semente…

Por Leonardo Andrade 

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A tempestade não dava trégua

Um relâmpago risca a noite.  As crianças acordam com o forte trovão.

A mãe tenta acalmá-los. Manda os dois pequenos, maiorzinhos, buscarem o saleiro na cozinha para preparar uma “cruz de sal”, num prato raso.

Ramos bentos são queimados em todas as peças da casa. Rezas e pedidos de proteção a Santa Barbara, a santa das tempestades.

A chuva bate forte nas telhas e nas paredes de madeira. O chão estremece com outra trovoada.

Os espelhos já estão cobertos com panos, para o “aço” deles não atrair mais raios.

A chuva de pedras assusta ainda mais. As crianças estão nervosas e curiosas com todo aquele ritual. Encantadas, também, com aquelas pedrinhas redondas e geladas que caem do céu. Umas pedras maiores batem e rolam no telhado, parecendo quebrar tudo.

Olhar as pedras no quintal, todas querem, mas é perigoso chegar perto de uma janela.

A noite segue iluminada pelos raios. As crianças vão se acostumando com estas etapas da vida, se preparando para as próximas tempestades de todos os tipos que irão enfrentar na sua existência.

Por Walter João Putten