Escritores e personagens, uma relação de amor e ódio

Criar e caracterizar personagens é um desafio instigante na escrita criativa. Às vezes eles guardam semelhanças com os autores; outras, são seu contraponto. É possível amá-los e também odiá-los. Há inclusive quem, após concluída a empreitada de escrever, sinta saudade deles. Perguntamos aos integrantes do Clube da Prosa da Pragmatha Editora sobre sua relação com os personagens que criam. Confira:

Giovana Schneider: “Tenho um carinho especial por todos eles, com certeza. Mas teve um que gostei muito, e no final tive que matá-lo, pois não havia outra saída. Foi no conto “Sobre Viver”. Nele contei a história de Dimas, que foi largado num orfanato. Era violentado pelo vigia e, não aguentando, mais, mata o vigia e foge. Mora na rua e, com o passar do tempo, vira um matador de aluguel e é preso. Depois de muitos acontecimentos, ele se degola com o próprio punhal. E um personagem que criei e do qual realmente não gostei foi o Jonas, do conto “Na onda do killer que se tornou serial”. Eu escrevia e, na minha imaginação, ele era um cara muito nojento, desses que vivem mascando um chiclete, fumando. Tudo de ruim coloquei nele e acabei pegando antipatia.”

Cleia Dröse: “Assim como ao ler um livro alguns personagens nos marcam, seja positiva ou negativamente, ao escrever acontece o mesmo. No livro “Doze contos de sóis e luas” (publicado pela Pragmatha em 2019), o personagem principal do conto “Um raio de sol através dos vitrais azuis” é tudo o que mais abomino em um homem. Talvez por isso nem um nome ele mereceu ter. Já o que mais me cativa e intriga é o Andrinho, de “O Dodecaedro”, também publicado pela Pragmatha. Andrinho tem suas esquisitices, sua fragilidade, seus mistérios. Se ele fosse uma pessoa real eu o convidaria para tomar um café ou uma sopa de legumes só para conhecê-lo melhor”.

Rosalva Rocha: “O personagem que criei e do qual mais gostei foi da minha avó, na crônica intitulada “Minha vó que cheirava a talco”, publicada na III Antologia da Academia de Escritores do Litoral Norte/RS. Nela retratei a sua característica amorosa, solidária, elegante e sensível. Ao reler essa crônica ainda sinto o cheiro de talco brotando do livro, o mesmo cheiro que brotava dela quando saia do banho. Por outro lado, a personagem que mais odiei foi Beth, do conto “Uma vida sem razão”, pela sua apatia perante a vida, pela sua forma de magnetizar-se com o nada, de não se mover em direção a coisa alguma. Beth é mulher sem sentido, sem força para atingir qualquer alvo. E, o pior, culpa a própria vida pelo seu fracasso. Fica o questionamento se ela é realmente fraca ou se tem problemas psicológicos, pois não há como ajudá-la.”

Mara Carvalho Leite – “A pior personagem que criei foi Maria Eduarda, uma aprendiz de piranha muito bagaceira e baixo nível. E a melhor foi a Dona Dadá, uma senhora gente fina e muito sábia, um exemplo de mulher”.

Hebe Bonazzola Ribeiro – “A pergunta é bem direta, mas a resposta precisa de uma introdução. Considerei, para responder, todos os personagens pensados, mesmo que não finalizados. Nessa ótica, o mais difícil foi (e é, pois pretendo seguir em frente) um político, pois importa mostrar a totalidade da pessoa, não apenas sua face política. Para mim, como a dificuldade ainda não me permitiu construir o caminho da personagem, só vejo o ponto onde quero chegar, que é uma feição egoísta e hipócrita, que não se importa com o resto. Não é o personagem estereotipado de um político, apenas inspirado nessa função que deve ser eminentemente aberta aos outros. E, o que mais gostei foi de uma menininha, buscando suas lembranças mais antigas. Nessa, a construção e o resultado são muito mais afetivos.”

Eduardo Guilhon Araújo: “Eu gostei muito de fazer um personagem chamado Osvaldo, que na verdade foi uma pessoa que existiu, mas criei toda uma história para ele. Foi um famoso de última hora eternizado em uma fotografia marcante na história do Brasil. Um personagem que me causou dor matar foi a Gilda do conto “O Opinião”. Gostei da personagem mas foi preciso matá-la até para ilustrar uma obscura passagem da nossa história.”

Magno Machado de Freitas – “O personagem de que eu não gosto é Rafael Grungel, pois ele, após ficar milionário, se tornou esnobe. Além disso, ele é homofóbico, irritado, estúpido. Não sei qual será o destino dele, pois estou planejando o romance ainda. Em consequência disso, o personagem que eu gosto é o filho e Rafael – Rodrigo Grungel – detetive policial, bissexual. Age por impulsos, passa por muitos obstáculos, mas, mesmo assim, não desiste dos seus objetivos e bate de frente com Rafael!”