Escritor Eduardo Guilhon Araujo revela três segredos da obra “A quimera do Torto”

Há escritores que gostam de “brincar” com seu público leitor, deixando em suas obras algumas pistas, detalhes e segredos que talvez, e tão somente talvez, se revelem apenas a uma leitura mais minuciosa ou releitura. Eduardo Guilhon Araújo é um deles. Em “A Quimera do Torto”, uma seleção de contos que visita locais e acontecimentos históricos do Brasil no século XX, existem pelo menos três segredos que podem ficar ocultos. Quem os revela é o próprio Eduardo:

Apenas para brincar com o leitor, deixei alguns “segredos” no meu livro de contos “A Quimera do Torto”. Propositadamente uso as aspas, porque claro estão lá para qualquer um descobrir. O primeiro que há personagens que transbordam para mais de um conto. Em um conto específico também naveguei sorrateiramente por dois sambas antigos. Detalharei em seguida.

Os dois primeiros personagens que se repetem são Dulce e “Cabeção”, que inicialmente aparecem no conto “A Coluna”. “Cabeção” sequestrou – no bom sentido – o coração de Dulce e a levou para vagar em sua coluna pelos rincões do Brasil. Cavalgaram muito fugindo das tropas legalistas e acabaram chegando na Bolívia. Depois de um tempo, ela e Francisco – este era o nome de “Cabeção” – voltam ao país, chegam ao Rio de Janeiro e vão morar em Guadalupe. Ele se emprega em uma fábrica de tecidos na Gávea e tem ativa participação na “Intentona Comunista”, uma fracassada tentativa de assalto pelos comunistas da antiga Escola Militar que existia na Urca. Este fato e suas consequências foram depois narrados no conto “A Menina de Guadalupe”, com estes mesmos personagens como protagonistas.

Outro personagem que aparece em dois contos é Jair, que o leitor conhece no conto “Os Segredos do Morro”. Neste conto ele ajuda um Visconde português a esconder o tesouro dos jesuítas na Ilha do Brocoió, uma ilha perdida e distante nos fundos da Baía de Guanabara. O Visconde fica tão agradecido pela ajuda que o gratifica com uma boa quantidade de réis, a moeda de então. Esta gratificação permite que ele abra uma “casa de habitação” (ou “casa de cômodo”) que eram como as pensões eram chamadas antigamente. Jair – agora Jair Afonso – reaparece no conto “O Azteca” rivalizando com o dono do cinema, bem em frente ao seu estabelecimento.

Neste conto do “O Azteca” uso um samba antigo – “Batuque na Cozinha”, do magistral João da Baiana – onde faço uma pequena alteração para caber no texto. O refrão original diz assim:

“Batuque na cozinha

Sinhá não quer

Por causa do batuque

Eu queimei meu pé”

No conto quem não quer o batuque é o sinhô – na verdade o dono do cinema – e em vez de queimar o pé, o pessoal da curimba come filet, o que espero não ter agredido este samba tão saboroso. Também cito um personagem narrado em outro samba antigo, “Delegado Chico Palha” (dos também geniais Tio Helio e Nilton Campolino), cujo refrão diz que o tal delegado “não prendia, só batia”.

Este samba é de 1938 e é incrível como permanece atual, aqui e alhures.

Eduardo Guilhon Araujo