“É a coroação de um ano de trabalho prazeroso”

Cleia Dröse é natural de São Lourenço do Sul/RS e faz parte de diversas entidades culturais. Atualmente, compõe a diretoria da Academia Internacional de Artes e Letras Sul-Lourenciana – AIL e é presidente do CEL – Centro de Escritores Lourencianos, ambos da cidade de São Lourenço do Sul/RS. Nesta entrevista, ela fala sobre sua participação na obra Proseiros | Contos, gestada nas oficinas literárias da Pragmatha Editora.

O que representa para você participar da antologia?

Representa a coroação de um ano de trabalho prazeroso através do grupo em que as criações são compartilhadas e os saberes construídos a partir das vivências no grupo. Embora a maioria eu não conheça pessoalmente, é como se fôssemos todos amigos íntimos, daqueles que chegam em minha casa perguntando “Tem café?”

O conto A grande viagem fala do personagem Renato, que em determinado momento resolve dar uma guinada na própria vida. Como surgiu a inspiração?

A grande viagem partiu da provocação em que a carta de tarô O louco era o gatilho. Alguém que em determinado momento fosse considerado louco, ainda que talvez fosse o mais sensato de todos. Então, quis criar o Renato, um cara muito legal, que dedica a vida ao trabalho e à família e que de repente se dá conta da própria finitude e que não havia realizado os próprios sonhos. E, a partir disso, arrisquei pela primeira vez colocar na boca de um personagem repetidas vezes um palavrão, porque somente este palavrão era forte o bastante para expressar o que ele estava vivenciando.

O conto Apenas um portão tem como protagonista a massoterapeuta Joana, que em determinado momento da vida tem uma surpresa que a conecta com suas origens e com um de seus afetos mais profundos. Quais foram os teus sentimentos ao criar essa personagem?

Eu me identifiquei com Joana, que vivia de forma pacata, tratando das pessoas, levando uma vida simples, ainda desfrutando de bens herdados da família. Uma casa antiga, com pátio cheio de árvores, refúgio de pássaros em meio a tantos prédios e concreto. Mas ela tinha algo mal resolvido em relação à perda do irmão, de quem gostava muito. Não sabia o que era. Assistiu ao sofrimento dos pais, mas eles nunca esclareceram o que havia por trás da viagem e morte do irmão. Até que um senhor bateu palmas no portão e lhe disse “sou seu irmão. Lembra de mim?”

Seu conto Relações afetivas de terceiro grau começa assim: Tenho andado meio deprê nos últimos tempos. Na verdade, tenho refletido muito sobre minha vida e o rumo que ela tomou. Sinceramente, não estou satisfeita. Não que lá atrás tenha sido mais fácil, não, acho até que minha juventude foi mais complicada. Pergunto: personagens complicados rendem mais, literariamente falando?

Creio que sim. Personagens em conflito são atraentes aos olhos do leitor, porque despertam a ansiedade de saber o que vai acontecer. E nesse conto, além de ser narrado em primeira pessoa (o que não é muito comum no que escrevo), no final temos um plot twist, ou seja, uma guinada, e talvez nada seja o que parece ser.

O conto Pelas horas que são fala de uma benzedeira e sempre que a gente fala de benzedeiras a gente está de mistérios. Esse é um tema, pra ti, bastante caro, né…

Sim, benzedeiras, religiosidade, simpatias, são questões que lidam com energia, ainda que não saibamos explicar muito bem como acontece. Para mim, são territórios que representam o sagrado e que não raramente ocultam segredos indecifráveis aos nossos olhos.

Dos seus contos publicados na antologia, qual o preferido?

Gosto de todos, mas meu preferido é Relações afetivas de terceiro grau. Ele é curto e tem tudo o que um conto precisa ter. E quem ler vai entender minha predileção.