Aos domingos a Pragmatha Editora publica em suas redes sociais um desafio literário. O convite é, a partir de uma frase ou imagem, construir uma narrativa breve. Nesta semana, a frase vem da obra “Para toda a eternidade”, publicada pela escritora Janice Lobo pela Pragmatha Editora. Confira:
O estranho
Júlia caminhava pela calçada admirando o jardim dos vizinhos. A primavera chegara e com ela, todas as cores possíveis enfeitavam o gramado tornando a sua rua, um lindo lugar de se viver. O perfume de jasmins enchia o ar fazendo com que ela inspirasse profundamente, como se quisesse perdurar este odor pela eternidade.
Cumprimentou alguns conhecidos que regavam o jardim e começou a procurar as chaves na bolsa ao chegar em casa. Ela estava cheia de documentos e no meio deles deveria estar a chave. Pensou que teria uma longa noite de trabalho em casa, pois precisava entregar diversas avaliações no dia seguinte. O trabalho na perícia judicial consumia muitas horas do seu dia, mas pelo menos preenchia suas noites solitárias além de favorecer a excelente avaliação que tinha em seu emprego.
Ao chegar perto do portão que dava acesso a sua casa, parou de supetão ao ver uma pessoa parada na sua porta, olhando pela janela lateral, tentando ver se havia alguém em casa. Quem seria aquela pessoa? Não esperava ninguém e não parecia ser um vendedor. Júlia recuou alguns passos e seguiu observando o homem. Não era alguém que conhecesse. Ele era alto moreno, musculoso, o jeans apertado escondia pernas longas e firmes, o cabelo cortado curto era preto, uma camiseta branca combinava com o conjunto tornando a visão muito atrativa.
Ele voltou a apertar a campainha bem quando Júlia entrou pelo portão.
— Olá, disse ela. — Imagino que estejas procurando alguém.
Ele voltou-se e sorrindo confirmou a sua pergunta.
— Sim, és Júlia Devol?
— Sim, sou eu. — respondeu estendendo a mão para o cumprimento que estava sendo oferecido.
— Meu nome é Rubens, sou advogado e represento o escritório Kwait & Levie. Trago uma intimação para compareceres ao nosso escritório para a leitura do testamento de Alain Devol.
Júlia procurou em sua memória alguma referência ao nome que ouviu e por fim lembrou que um primo do seu pai havia emigrado para a França nos anos 70. Nunca mais tinha ouvido falar dele e nem sabia que alguém de sua família tivera alguma notícia.
— A reunião é amanhã. Tive receio de não encontrá-la. És a única beneficiária — disse ao se afastar lentamente. Boa Noite e até amanhã.
Júlia entrou em casa, largando a bolsa em cima da mesa na entrada, aflita em ordenar seus pensamentos e lembrar detalhes deste primo distante. O nome era o mesmo. Seus pais haviam falecido em um acidente e sendo filha única, não havia parentes aos quais pudesse fazer as perguntas que povoavam a sua cabeça. Morava sozinha desde que seu ex-marido se apaixonara pela aluna dele.
No dia seguinte acordou cedo e depois de um café engolido às pressas, se dirigiu ao escritório mencionado no dia anterior.
O prédio envidraçado no centro da cidade era praticamente todo ocupado por escritórios e consultórios. Ao chegar no oitavo andar, percebeu que todo o andar parecia pertencer a Kwait & Levie.
Foi recebida pela secretária e parecia que já a esperavam. Rubens, o lindo moreno, estava sentado numa extensa mesa e ao lado um homem que não conhecia, sendo que este falou:
— Bom dia Sra Devol. Sou Martin Kwait e creio que já conheces meu sócio Rubens Levie. Representamos os interesses de seu tio falecido há uma semana na França. Lamentamos sua perda. Fomos incumbidos de lhe apresentar a carta que deixou com o seu testamento. Imaginamos que é de seu conhecimento que o seu tio era um homem muito rico, com propriedades em diversos países, além de uma indústria no setor automobilístico.
Júlia abriu a boca, mas nenhum som saiu. Não sabia de nada, nem porque estava sendo premiada desta forma.
A carta era sucinta, em poucas linhas a saudava acrescentando que lamentava a falta de contato que haviam tido. Finalizava lhe nomeando a única herdeira e desejando que tivesse êxito na sua vida e que as instruções sobre a parte administrativa de seus negócios lhe seria oportunamente apresentada.
Júlia dobrou a carta com o olhar atento dos advogados.
Rubens garantiu que o escritório poderia seguir cuidando de seus interesses e lhe auxiliando no que fosse necessário.
Ela levantou-se vagarosamente, incrédula com a notícia. Jamais imaginaria que tinha um tio milionário e que agora ela própria, parecia ser uma também.
Júlia se despediu agradecendo a disponibilidade dos advogados, confirmando a continuidade do trabalho em conjunto. O aperto de mão de Rubens pareceu mais demorado que o habitual e os olhos de ambos ao se encontrarem, pareciam tecer vínculos mais estreitos do que os financeiros.
Júlia saiu da sala e pensou. “Vamos lá Júlia, uma nova vida está começando”.
Por Elsa Timm
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Ele bateu
Um dia, ao chegar do trabalho, Fernanda deparou-se com um homem moreno e elegante que batia à sua porta:
— Boa tarde. O Jarbas mora aqui? — perguntou ele.
— Ah, não. Aqui é o 302. Ele mora no andar de baixo, no 202 — responde a moça.
Enquanto se desculpava, Maurício pensava: como é linda!
Fernanda parecia hipnotizada e pensava: como é lindo!
Sem vontade de se afastar, Maurício inventou:
— Gostaria de adquirir um apartamento por aqui. Gostei do lugar…
Animada por ele não ter ido embora ainda, Fernanda inventou:
— Tenho alguns amigos corretores. Posso falar com eles…
E assim, trocaram números de telefone e nunca mais se afastaram. O casamento já dura dez felizes anos.
Às vezes Fernanda lembra do tempo em que se queixava da falta de homens interessantes no mercado, e do que sua mãe dizia: “Saia mais de casa! O príncipe encantado não vai bater à sua porta”.
Mas ele bateu.
Por Marilani Bernardes
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