Degustação | Se alguém me encontrar

O Centro de Escritores Lourencianos, de São Lourenço do Sul, publicou em 2023 sua 21ª antologia. A publicação, pela Pragmatha Editora, foi comemorativa ao aniversário da entidade. Além de textos de associados, a obra também apresenta textos de vencedores dos concursos literários realizados durante o ano. Para adquiri-la, basta entrar em contato com o CEL pelo e-mail centrodeescritoreslourencianos@gmail.com.

Confira o texto “Se alguém me encontrar”, de Magno Machado de Freitas.

Se alguém me encontrar

Magno Machado de Freitas

Estou aqui sentada, tentando me recuperar da notícia que recebi pela manhã. Essa lagoa, neste azul cintilante, me faz pensar que eu não soube aproveitar minha vida como deveria. Olha essa paisagem: é uma dádiva divina tão especial. Só que não está, pelo menos, neste momento, combinando comigo.

Hoje pela manhã, estava acordando e já estranhei que Pedro não estava na cama. Isso me fez pensar que ele estava com febre, pois depois que se aposentou nunca acordou antes de mim. Deveria ser algo para me surpreender… Cheguei na cozinha e a louça de ontem estava ali esperando, algo que me dei o direito depois de sempre manter tudo organizado para o marido e os meus três filhos.

Mas havia algo diferente na cozinha. Um vinho que eu estava aguardando para usar com o marido numa ocasião especial estava aberto. Muito estranho! Fui caminhando pela casa e saí pela porta de vidro que dá para a rua. Pedro estava sentado lá. Fui ao seu encontro, mas sem ele perceber. Fui sorrateiramente até ele, no que ele se sobressaltou. Estava com semblante sério.

Naqueles sofás de couro, me sentei em sua frente. Ele não estava com um semblante alegre e tranquilo, como todo dia. Estava estranho. E eu não tinha notado, mas quando percebi, gelei. No canto direito dele havia umas malas, as que eu comprei para a nossa última viagem em família. Ele começou a jorrar as palavras:

— Antes do bom dia, quero dizer que quero o divórcio.

Eu fiquei pasma, não conseguia nem piscar direito.

— Divórcio, como assim? — ainda perplexa.

— Sim, bem isso! Estou juntando as minhas coisas e estou, como se diz hoje em dia, “vazando”! É bem simples!

— Mas, Pedro, o que é isso? Até ontem, estava tudo bem entre nós. O que virou a tua cabeça? — comecei a indagar sem parar. Queria fazer mil e uma perguntas. — E, o que minhas amigas vão pensar disso? Eu, uma velha, largada!? Responde, ordinário!

Depois disso, não lembro de todas as coisas que falei, que xinguei. Se eu pudesse, eu daria uns bons tapas naquela cara, mas caí antes disso, e ele, um pouco antes de sair, arrebatou:

— Ah! Que se dane aquelas tuas amigas sem serventia… E, para deixar registrado, vou morar com Luís Cláudio, nosso jardineiro! Ele me fará feliz nesses últimos anos. — e saiu!

Eu não conseguia registrar todas essas informações. Saí pela cidade e terminei, à tardinha, aqui. Meus filhos me ligaram e eu nem respondi. Cheguei em casa, larguei as minhas coisas. Atravessei a rua e vim ver essa paisagem maravilhosa. Tem até um barquinho lá… Já estou umas duas ou três horas aqui, sentada na areia. Desliguei meu celular! Deitei-me aqui, sentindo a areia gelando e pensando no dinheiro que vou tirar daquele filho da mãe.