O Centro de Escritores Lourencianos, de São Lourenço do Sul, publicou em 2023 sua 21ª antologia. A publicação, pela Pragmatha Editora, foi comemorativa ao aniversário da entidade. Além de textos de associados, a obra também apresenta textos de vencedores dos concursos literários realizados durante o ano. Para adquiri-la, basta entrar em contato com o CEL pelo e-mail centrodeescritoreslourencianos@gmail.com.
Confira o texto “Azul de céu e de meninos e meninas azuis”, de Cleia Dröse.
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É um dia ainda luminoso de final de verão. Laura está sentada na areia observando o mar. Calmo demais este mar. Entediado, como ela.
Ninguém perguntou quando a viram saindo de chinelos e com uma canga azul jogada por cima do corpo como vestes romanas.
Eu apenas a segui para ter certeza de que estava em segurança. Ela não quer companhia. Nunca quer.
Aos seus ouvidos distraídos, chegam as vozes dos vendedores de guloseimas e bebidas, apregoando suas mercadorias.
“Olha o suco de acerola!”, “Suco de laranja geladinho!”, “Pastel de frango, quem vai querer?” e assim por diante.
Até que ouve uma vozinha desafinada, repetindo “Quem quer comprar um cardaço vermelho, bem novinho? Tô vendendo bem baratinho, quem quer?”
Ou seriam vozes longínquas que a consciência lhe traz contra sua vontade, de um tempo em que imaginava mil maneiras de ganhar dinheiro para comprar tecidos, fitas e demais itens e confeccionar roupas para as bonecas.
Devia ter uns oito ou nove anos quando apareceram os primeiros sinais. Dificuldade em interagir, aversão a ruídos e barulhos altos, isolamento, fixação em determinados assuntos.
Olha ao redor, sem muito enxergar. E eu a olho. E a vejo. Ela é linda! Já não é uma menina, já não diz mais “cardaço” e nem tem medo de lesma. É uma mulher e nem se dá conta disso. Vive em seu mundinho que ela mesma criou para si. Não permite que ninguém o invada. Passa horas sentada na areia, dizem que é uma “menina azul”, embora seja mais comum existirem meninos azuis.
Uma brisa suave move seus cabelos cacheados. Ela continua absorta. Praia deserta, toda dela. O azul do céu misturando-se ao azul de sua aura. Aura de menina azul, que vê o mundo de forma muito peculiar.
Fico a pensar: quantos serão? Muitos, creio. Nos últimos anos pipocam por todo o lado. Poucas são as famílias que não têm o seu menino ou menina azul.
Como integrá-los? O que fazer? Não sabemos. Apenas amá-los, até onde nos permitem.
O sol se esconde aos poucos. Hora de tentar levá-la para casa. Não é seguro arriscar uma crise. Chamo o nome dela de longe para que perceba minha presença. Falo calmamente. Temos um lanche nos esperando em casa.
Lentamente, se levanta e caminha a meu lado, enquanto lhe digo o quão saboroso está nosso lanche.