Danilo Kuhn: “Jamais escrevi sem inspiração, sem a tinta vazar minh’alma de poeta”

O escritor Danilo Kuhn está publicando pela Pragmatha Editora o romance “O mendigo de Saint Laurent”. A obra será lançada em abril e, nesta entrevista, o autor fala sobre o seu processo criativo, ambições da narrativa e como a música se entrelaça com a poesia e a prosa na composição de uma São Lourenço do Sul literária sob o ponto de vista de um protagonista mendigo-artista.

Como surgiu a ideia do livro?

O mendigo de Saint Laurent, personagem-chave do romance homônimo, é um mendigo-músico, um mendigo-poeta, um mendigo-artista que, de certa forma, representa todo ser profundo, sensível e poético que se depara com uma realidade rasa, rude e prosaica. Em tempos vaporosos, a Arte é acessória e o verdadeiro artista se torna um mendigo: um mendigo de ouvintes, um mendigo de plateia, um mendigo de leitores. Nesse sentido, quando é mister aprofundar-se, sensibilizar-se, poetisar-se, o romance “O mendigo de Saint Laurent” se apresenta como um livro-manifesto, um monumento à Poesia, à Música, às Artes Visuais, enfim, à Literatura.

Quais foram suas principais fontes de inspiração?

Este livro não foi baseado, e sim, inspirado em (alguns) fatos reais – a arte imita a vida e vice-versa –. Saint Laurent não é São Lourenço do Sul, minha cidade natal, mas uma versão literária da mesma. Algumas características geográficas e históricas ressoam aqui e ali, alguns poemas meus figuram cá e acolá, mas, paulatinamente, os personagens vão ganhando vida (e arte) própria e governando suas falas, seus destinos. E se, muitas vezes, utilizei-me de rimas na prosa, ritmo na escrita e matizes nos parágrafos, posso afirmar que a principal fonte de inspiração do livro foi a Arte, a Beleza.

Como foi o processo criativo? Quanto tempo levou? Você tinha um ritual de escrita?

Comecei a escrever o livro em meados de 2013, redigindo páginas e páginas visceralmente em meio a outras atividades menos excelsas. Porém, entre 2015 e 2019 o processo criativo foi interrompido por um curso de Doutorado, o que, na verdade, serviu para maturar a lavra e gestar a trilha sonora. Músico de formação, aproveitei este recesso para compor músicas instrumentais que viessem a servir de trilha sonora aos capítulos, integrando meus metiês artísticos. Após o doutoramento, retomei a escrita e concluí o livro, revisando-o minuciosamente mil vezes, buscando a palavra justa, a metáfora eloquente, a rima perfeita. Portanto, lá se vão dez anos, embora não ininterruptos, de gestação artística. E meu ritual foi fazer da escrita exatamente isto, um ritual, um rito sagrado, a sagração da Arte. Para tanto, jamais escrevi sem inspiração, sem sentir a pena vibrar entre os dedos e a tinta vazar minh’alma de poeta.

O que o leitor encontrará na obra?

Encontrará uma prosa não prosaica, e sim, uma prosa poética. Encontrará, também, uma linguagem submissa à Arte, moldada à verve do artista, pois que a palavra é sua matéria-prima. Encontrará, ademais, um romance literal e literário entre o afamado escritor Charlie Vivant e a bela Isabella, bem como uma trama sinistra entre o mendigo de Saint Laurent e um funesto personagem. Poderá, outrossim, ouvir a voz das estrelas e o verbo da matéria escura, pois se trata de um romance de luz e sombra, e tropeçar em poemas de autoria de personagens, diálogos em décimas, músicas instrumentais alusivas aos capítulos e ilustrações que captam a poesia ambígua de suas páginas. Em suma, o leitor encontrará Arte em suas múltiplas facetas.

A obra pretende deixar alguma mensagem?

Arte não se explica, sente-se. Para além, uma obra de arte, após publicada, exposta, deixa de ser do autor e passa a pertencer a cada ouvinte, a cada espectador, a cada leitor, cada qual com sua interpretação que, antes que nada, baseia-se em suas próprias referências, em seu universo estético e sensorial. Contudo, uma mensagem possível de depreender-se das páginas luzidias e sombrias d’O mendigo de Saint Laurent é de que somos feitos de luz e de sombra e que é possível – e talvez, até necessário – deixar-se encantar pela brisa e pela tempestade, pela voz das estrelas e da matéria escura, pois que o universo é hermético e a Arte é tênue equilíbrio.

11/03/2024