Degustação: Cinto do vestido da mãe como rabo de pandorga, de Miltinho

Miltinho Martins está publicando pela Pragmatha Editora o livro “Fatos, memórias e causos de um guri-homem”, com lançamento no dia 11 de novembro durante a Feira do Livro de Pelotas/RS. Confira um destes causos.

Por falar em brinquedos lúdicos da criançada de antigamente, lembrei de uma boazinha que se passou comigo quando tinha uns 10 anos mais ou menos. Era a gente mesmo que fazia os brinquedos, desde conseguir o bambu no mato, juntar ansiosamente o cordão da sacaria, conseguir um naco de cera de abelhas para encerá-lo pra ficar mais forte, não rebentar e perdermos a pandorga. O papel encerado era dos pacotes de erva e café, em que vinham embalados antigamente. A cola era fabricada com farinha e água, o velho e bom grude, e a cola da pandorga, a última peça, era difícil também. Naqueles tempos de escassez, as famílias aproveitavam tudo. As roupas eram remendadas, os lençóis rasgados viravam fronhas, as colchas viravam colchas de retalhos, e eu babando por trapos para fazer a cola da pandorga e nada.
Aproveitei um descuido de mamãe e dei de mão no cinto de um vestido estampado, muito bonito, “de sair”, que mãe Dina guardava com zelo no guarda-roupa. É esse, pensei! Eu não preciso nem emendar; pego emprestado e mamãe nem vai ficar sabendo, depois devolvo…
Ledo engano. Pandorga no ar, o cinto de mamãe rebolando lépido e faceiro nos ares, foi quando uma vizinha, a saudosa Dona Marina, reconheceu o cinto de mamãe no contraste do céu azul. Ela se preocupou porque volta e meia uma pandorga ia parar nos fios. E aí? O lombo do Miltinho ia arder de novo.
Correu lá em casa e falou: “Dininha, tu tem aquele vestido estampado ainda?”. A mãe respondeu que sim, ainda perguntando se queria emprestado. A resposta rápida foi: “Não, vem cá, que quero te mostrar onde anda o cinto dele”. E de casa mesmo ela avistou a peça que arrematava com elegância o vestido dela, rebolando no céu azul a fazer a alegria da meninada.
“Millltooonnn!!!”
Ouvi aquele grito, que me trespassou a espinha dando um calafrio, e que mais hoje, mais amanhã era esperado. Já fui enrolando o cordão e recolhendo dos ares a dita cuja e, quanto mais perto chegava, parecia que mamãe se sentia aliviada. Até a fivela que tinha sido “revestida na casa dos cintos”, ou na loja Miguens, estava intacta. Me passou uma carraspana que me saiu barato até e ela e a Dona Marina foram dar jeito de me ajudar a conseguir uns trapos pra fazer uma cauda definitiva para minha pandorga. Ufa!

31/10/25