Cleia Dröse é natural de São Lourenço do Sul, no Rio Grande do Sul. Licenciada em Pedagogia, exerceu a docência por 40 anos. É mãe e avó, biológica e por afinidade. Fez das letras seu ofício e seu refúgio. Publicou livros em português e em espanhol e integra diversas academias literárias. Pela Pragmatha, recentemente, publicou dois livros: Doze Contos de Sóis e Luas, de contos, e Uma História de Amor, voltado para o público infantil. Nesta entrevista, ela fala sobre seu processo criativo, desafios e perspectivas.
Para você, o que significa a escrita literária?
Cleia Dröse: Para mim, escrita literária é aquela em que conseguimos criar algo, não só relatar fatos reais, mas transcender, colocar algo mais, do imaginário, do que nossa mente é capaz de criar.
Em “Doze Contos de Sóis e Luas”, publicado pela Pragmatha, você explora o universo da jornada do herói. Como foi a experiência de escrever com um roteiro definido?
Cleia Dröse: Desafiador. Muito desafiador, porque havia que seguir o roteiro e ao mesmo tempo ser criativo nas situações vivenciadas pelo personagem. Depois do primeiro impacto, tornou-se prazeroso a partir do momento em que o personagem passa a ter uma personalidade. É quase como se adquirisse vida própria. Desse momento em diante, a história fluía naturalmente.
“Uma história de amor” é voltado para o público infantil. Quais os principais desafios em construir uma narrativa com um olho no texto e outro na ilustração?
Cleia Dröse: Escrever para crianças, em minha opinião, é mais difícil que para o público adulto. E, sim, as cenas precisam ser bastante imagéticas. As palavras precisam formar imagens do universo infantil, em que os pequenos leitores (ou ouvintes) se identifiquem com o que o personagem vivencia.
Você é “habitué” de feiras do livro. Na sua opinião, qual a importância do autor estar em permanente contato com seus leitores?
Cleia Dröse: Creio que não só nas feiras, como também em visitas a escolas, a presença do autor desmistifica um pouco, humaniza até. Costumo relatar que quando criança sempre indagava em especial de minhas professoras quem era o autor do texto lido e a resposta era sempre muito parecida: fulano de tal, viveu em tal cidade e já morreu. Às vezes me parecia, na minha inocência infantil, que escrever era quase um ato sobrenatural, já que todos os autores de textos que me chegavam às mãos, estavam mortos. Por isso, sempre que possível, me faço presente junto ao público leitor para conversar, trocar ideias sobre minhas obras e provar que sou uma pessoa de verdade, que sou de carne e osso e às vezes sofro, rio, choro, me alimento e vivo como eles.
Em sua cidade você coordena alguns grupos de escrita criativa. Como você analisa o interesse pela escrita? Uma brincadeira muito recorrente entre editores diz que no Brasil existem mais escritores que leitores. Você concorda?
Cleia Dröse: Em parte, isso faz sentido. O brasileiro ainda não construiu o hábito da leitura. E muitas são as pessoas que sonham se tornar escritores. Minha orientação sempre é a de que, para ser um bom escritor, precisa ler, ler muito. A literatura frequentemente se serve do que já foi escrito para ilustrar um novo texto. Sem isso, seria como se estivéssemos construindo uma casa, mas não passássemos nunca dos alicerces. Tudo já foi escrito. Não podemos ignorar isso. Então precisamos encontrar uma maneira nova de dizer o já dito e quem sabe até se servir do já dito para dizer de forma diferente e encantar o leitor.
Fale um pouco sobre seus hábitos de leitura. Quem são seus autores preferidos?
Cleia Dröse: Leio de tudo. Até bula de remédio (risos). Quase sempre leio dois livros ao mesmo tempo. Um de prosa e outro de poesia. Isso me obriga a realinhar cada vez que troco a leitura. Ativa minha memória recente. É como um exercício.
Embora leia de tudo um pouco, existem alguns autores que me marcaram profundamente. Isabel Allende com seu realismo mágico me faz viajar no improvável. Daqui, na prosa Luiz Antônio de Assis Brasil me prende e me fascina com seus romances em que mescla fatos históricos do Rio Grande do Sul. Na poesia, Pablo Neruda (prefiro os originais em espanhol) me acompanha há muito tempo. Quintana. Cecília Meirelles me identifico muito.
Você poderia compartilhar conosco como é seu jeitão para escrever? Tem algum horário e local preferidos? Acredita mais em transpiração do que inspiração?
Cleia Dröse: Não tenho nada definido quanto à maneira de escrever. Já aconteceu de estar andando na rua e me brotar uma ideia. Gravo no celular e depois escrevo e faço os ajustes. Às vezes, altas horas, e a inspiração bate à porta. Levanto e rabisco em linhas gerais. No outro dia, retomo e enfrento o trabalho de transpirar à exaustão.
Não acho que inspiração e transpiração se sobreponha uma a outra. Se não houver a ideia, não temos sobre o que transpirar, mas sem trabalhar o texto inicial, nunca conseguiremos avançar. Creio que precisamos dos dois momentos no fazer literário.
Você transita bem entre a prosa e a poesia. Para você, o escritor também é um pouco parecido com o corredor, que deve se testar em vários terrenos?
Cleia Dröse: Alguns escritores preferem um dos gêneros. Eu gosto dos dois. Reconheço que a linguagem poética é por natureza mais difícil, mas também ou por isso mesmo nos dá uma liberdade do não dizer, do sugerir, do deixar subentendido. O famoso subtexto. É um desafio, com certeza. E se podemos experimentar este terreno desafiador e emocionante, por que não o fazer?
No Caderno Literário, da editora Pragmatha, você compartilha seus textos num ambiente completamente democrático, onde estão presentes autores maduros, como você, e iniciantes. Como você vê essa integração?
Cleia Dröse: Acho ótimo. É uma maneira de interagir e na interação trocar conhecimento, e até inspiração. Não raras são às vezes que ao ler um texto de outro autor, me surge uma ideia diferente de como abordar o tema. Eu acho isso válido, porque afinal a vida é uma interminável troca. E se meus poemas servirem para que outro leia e pense, repense, reformule o tema abordado, me sentirei recompensada. Terei atingido um de meus objetivos ao escrever.
E quais os planos para o futuro?
Cleia Dröse: Seguir escrevendo, buscado inspiração e transpirando. E em especial concretizar o sonho de escrever um romance. Quem sabe 2020 seja o ano do sonho realizado?