O escritor Gui Marães está publicando pela Pragmatha Editora a obra “Quem Sabiá, Sabe Be, Sabe Ser”. Trata-se de uma coletânea de poesias que encanta pela leveza e criatividade. Nesta entrevisa, o autor fala sobre o papel da arte e da poesia. Confira:
Você brinca muito com as palavras. Esse processo é fluido, espontâneo, ou tem bastante de cálculo e experimentação?
Hoje, espontâneo e fluido. Há uma cumplicidade. Olho a palavra com respeito e admiração. Entendemo-nos e ela se entrega, revela-se. Brincamos. Fico contente e ela ganha outros significados. Dois exemplos:
FOI-SE A FOICE
Foi-se
a palavra ferina.
Voante coice,
foice,
no cabo da língua.
AMOR
De coração:
decoração
de cor ação.
Você cria poemas de uma forma completamente nova, sem um padrão estrutural. Versos contam com recuos, espaçamentos duplos… Que mensagem está por trás desta forma de comunicar?
Gosto de escrever como quem dança. Ora conduzindo a dama, ora sendo pela dama/palavra conduzido. Objetivo e preciso para não feri-la. Entre nós, a música, o ritmo, o calor do momento, os passos e as emoções. Se envolvido, sei que envolvo e assim, dançamos. A mensagem por trás desta forma de comunicar é a harmonia, porque são os vazios que nos flautam.
Seu trabalho tem amor, tem amizade e tem também bastante crítica social. Você acredita no papel da arte como ferramenta de protesto para buscar mudanças no mundo?
Sim, acredito piamente. Se o cartaz pedindo silêncio, fixado no corredor do hospital for entendido e seguido só por quem o pôs, houve uma mudança. Se o distraído deixa de assoviar o sucesso do momento atendendo aquela sinalização, outra mudança se realiza. A arte tem este poder. A escrita é ferramenta que precisa ser usada como sol — para iluminar, clarear. Tem palavra que precisa ser entendida para ser efetiva, como as palavras amor, solidariedade. Ela tem que chegar ao outro com sentido claro para ser sentida. Tem que ser revelada. É aí que vem o poema, veste-se de poesia e diz:
AMOR
Para quem
ao relento
veste roto
retalho,
amor nome tem —
Agasalho.
Vivemos tempos sombrios, de alguma forma, com muita violência, falta de empatia, pobreza… A poesia pode nos resgatar, enquanto essência humana, em meio a tanto caos?
A poesia é como uma semente, se cair em solo fértil ela germinará, dará frutos e se multiplicará em sementes semelhantes — em qualidades e potências. Se a poesia encontrar um coração receptivo, mesmo a inesperada, ela dará frutos e estes, sementes.
Permita-me complementar esta resposta com um poema.
AVE DE RAPINA
Tem gente que rasteja
sendo ave de rapina:
rejeita
o corpo alheio,
come-lhe
a vida.
A ave que faxina
tem ética,
espera
que a vida saia
para comer
o resto.