A ampulheta não para

O sol se pôs no horizonte em mais uma apoteótica despedida, transpondo mais um trecho da longa jornada da vida
Os últimos vestígios de luz desaparecem hesitantes, parecem querer sorver os seus últimos instantes até retomarem seu posto de viajantes e logo estarem bem distantes.
Esse dia já é passado, será cuidadosamente armazenado em um arquivo lacrado, calendário riscado, horário encerrado.
A noite chega sorrateira, estendendo sua longa e negra esteira até preencher a dimensão inteira.
Traz a lua à frente, sedutora, nua, reluzente, diante de seu séquito de estrelas, absolutamente onipresente.
Os poetas suspiram, deliram e se inspiram, pegam na aljava suas flechas de Amor; miram e atiram nas sombras que surgiram e nas quimeras que efemeramente viram ou sentiram.
A realidade dá lugar à sugestão, abrem-se as portas da imaginação; desde os mais baratos aos incrivelmente sofisticados truques de ilusão, a razão é profundamente abalada pela emoção, nada é o que parece ante nossa limitada visão.
Morfeu abre seus braços, apaga e redesenha novos traços, ata e desata laços, recolhe estilhaços, redimensiona espaços e preenche espaços.
As brumas cobrem as certezas, deixando-as abaladas e sugerindo que sejam repensadas, abrem-se novas estradas.
Surge uma chance para os outros sentidos, ofuscados pela poderosa visão, sequer podiam emitir sua opinião.
O sonho é o prelúdio da realidade, o alicerce oculto da verdade, a semente da possibilidade, a nascente da oportunidade.
Parado na estação da minha vida, assisto ao dia partir e a noite chegar numa espiral que não para de rodar, o que um deixa vago, o outro tenta completar, busco extrair o melhor de cada um para no universo melhor me encaixar sem perder os olhos da ampulheta e da areia que vai acabar.

Por Leonardo Andrade

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Texto integrante do projeto de exercício literário proposto pela Pragmatha Editora em suas redes sociais. Participe! Em caso de dúvida, converse com a editora Sandra Veroneze pelo e-mail sandra.veroneze@pragmatha.com.br