Exercício literário: “Sem olhar para trás”

Confira os textos recebidos nesta semana, a partir do exercício literário proposto nas redes sociais da Pragmatha Editora aos domingos. O convite é para desenvolver uma narrativa breve a partir da imagem.

Sem olhar para trás

Sentei-me perto da janela para rever minha cidade de cima quando o avião se inclinou para a direita, rumando para o aeroporto Santos Dumont. Se soubesse o que me esperava, teria pedido ao piloto arremeter a aeronave.

Os seis meses que passei em Lisboa foram tão ocupados que mal consegui sentir saudades de todos que deixei no Brasil. Falava com frequência com o meu namorado, noivo, aliás, combinando nossa festa de despedida de solteiro, principalmente nas últimas semanas que antecederam minha chegada.

Em uma das malas levei alguns enfeites e minha grinalda de noiva, que havia comprado em um dos meus passeios pelas ruas estreitas de Lisboa. Havia algo que sonhamos por muito tempo, um casamento daqueles antigos, com nossos amigos e familiares presentes, igreja enfeitada e preferencialmente um violinista anunciando minha entrada. Tínhamos nossos empregos e juntáramos algumas economias para este nosso grande dia.

Não desembarquei em São Paulo, sua cidade e onde moraríamos, porque havia planejado um jantar com minhas amigas que não poderiam se deslocar à capital paulista para o casamento dali a uma semana.

Ao chegar no apartamento arrastando minhas malas e bolsas de viagem, agradeci mentalmente a minha irmã que havia deixado um vaso de flores na mesa e a geladeira minimamente abastecida. Encontrei vários presentes em cima da minha cama que ela havia recebido dos amigos que foram convidados para a cerimônia. Um bilhete de boas-vindas me fez sorrir: “Espero que tua viagem tenha ter feito tão feliz como a tua volta me faz. Mana”

Tinha uma semana para desempacotar tudo e me detive ao jantar ao qual iria com as amigas. Estava tão eufórica que mal percebi a voz distante do meu noivo, ao ligar para ele quando cheguei. “Em terras Brasileiras, meu amor!”

Com jantas, despedidas, universidade e arrumações a semana passou voando. Enfim, a sexta-feira chegou e de manhã cedo eu estava novamente no aeroporto, desta vez rumo a minha vida a dois, mas não sem antes festejarmos e brindarmos com amigos a festa de despedida de solteiro.

Faltavam duas horas para o voo e resolvi falar com meu noivo, como fazia diariamente. Sua voz soou diferente e mal acreditei no que me disse:

— Não venha. Desculpe não falar antes, mas não tive coragem. Não venha. Eu não te amo mais.

Empalideci e consegui responder com a voz embargada…

— Eu vou, esteja no aeroporto daqui a três horas.

Não podia ser real. Não estava acontecendo isso. O que eu não vira? O que havia passado despercebido?

Foi um voo longo que se seguiu. Meu olhar fixo no céu azul com a mente envolvida no turbilhão de pensamentos.

Caminhei lentamente pelo saguão do terminal quando o avistei parado, me esperando. Parecia que carregava uma tonelada de sofrimento nos ombros encurvados. Não me abraçou nem chegou muito perto de mim. Falou um tímido olá. Foi tudo o que ouvi.

— Lamento que tenhas vindo, falou com a sua voz rouca. Mas eu me apaixonei por uma colega de escritório. Não sabia como te falar. Eu não vou casar. É melhor voltares.

Ele virou as costas e se afastou. Fiquei parada com a mala na mão. Olhando até o perder de vista. Lágrimas brotavam dos meus olhos e não fiz nenhum esforço para contê-las. Lá estava eu, no meio do saguão, chorando por todos os sonhos que alguém me pedira para enterrar, perdida, não sabendo o que fazer para me encontrar.

Lentamente me dirigi a um guichê e pedi uma passagem para Porto Alegre.

Subi as escadas do avião horas depois como que em transe, rumo a uma vida desconhecida, degrau por degrau, lentamente, sem olhar para trás.

Por Elsa Timm

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Sem volta

Parti sem olhar para trás, sem lenço nem documento, sem roupas e pensamentos. Parti como quem quer renascer, começar tudo outra vez.

Parti com os olhos arregalados com o que está por vir, ansiando pelo porvir, sem qualquer medo de ser feliz … Porque o que passou, passou, esvaziou-se até a última gota e eu não consigo viver sem pensar que sempre transmutarei buscando ser feliz.

Por Rosalva Rocha

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Dois dias depois

Depois que viu o marido caído no chão e o sangue começando a sujar o tapete, ela percebeu que não havia como voltar. Arrumou suas coisas numa pequena mala, colocando nela, inclusive, a arma. O plano era passar dois dias na casa da irmã. Na viagem de trem até lá, na descida, em alguma lixeira, largaria o revólver. Dois dias depois, retornaria para casa, ligaria para a polícia, faria aquela cena de esposa arrasada, inconformada com a morte do parceiro de vida, “tipo” coisa de novela ou cinema. Daria tudo certo.

Por Márnei Consul

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Saio leve

Parto sem olhar para trás, decido incendiar o cais, assim não voltarei jamais.

Saio leve, não carrego bagagem, recomeço do zero essa viagem, apenas e tão somente com a minha cara e muita coragem.

Não posso apagar esse recorte do passado, mas deixo-o em suspenso, guardado, para que seja eventualmente revisitado e consultado como aprendizado.

Deixo muitas lágrimas e poucos risos, além de inúmeros ignorados avisos; que tolice, eles eram tão precisos.

Não posso ignorar o que fiz, fiz porque quis, porque faria tudo para ser feliz, mesmo por um triz, por um átimo gris.

Aqui fica uma parte de mim, enterrada no meio do jardim, com uma lápide de inscrição simples, apenas a palavra fim.

Uma das muitas mortes que teremos ao longo da jornada, uma cruz a mais na beira da estrada, uma história que às vezes não deve ser lembrada nem contada.

Reativo meu modo viajante, meu lado cigano errante e a cada instante, fico desta história encerrada, mais e mais distante.

Por Leonardo Andrade

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Sem olhar para trás

Há muitos anos, em conversas com amigos, eu costumava repetir que não havia nascido no Vale da Esperança, mas tinha germinado e brotado naquela terra, tal a intensidade do amor que eu nutria por aquele rincão.

A terra era fértil e banhada pelo Rio Massiambú, que serpenteava por toda a extensão da minha gleba e onde eu, ainda menino, aprendi a nadar, pescar e irrigar as plantações.

Ali eu cresci aprendendo a amar a terra, cultivá-la com respeito e sabedoria, numa parceria proveitosa para mim e para a natureza.

Foi lá, também, que conheci o grande amor da minha vida, com quem construí um lar de paz, amor e felicidade.

Lá eu vi nascer e crescer o meu primogênito e o ensinei a amar a terra como o meu pai, anos antes, me ensinara.

Eu nunca sonhara com uma vida mais feliz, porque ali eu tinha tudo ou mais do que precisava para ser feliz.

E fui muito feliz. Até chegarem os agentes do governo para desapropriarem a minha terra, por onde passaria a linha férrea, que ligaria a capital ao interior do estado. “Os trilhos do progresso”, segundome disseram na época.

Os meus argumentos foram ignorados. Os meus sentimentos não foram levados em consideração. Assim, eu tive que abandonar aquele meu pedaço de paraíso, mas um pedaço do meu coração ficou sepultado naquela terra.

Hoje, após haver superado o trauma daquela despedida, eu retornei ao Vale da Esperança para conhecer “os trilhos do progresso”, mas naquele fatídico dia da minha partida, com uma dor sufocando o meu peito e lágrimas amargas escorrendo pelo meu rosto, eu parti sem olhar para trás.

Por Edmilton Torres

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Libertação 

Totalmente dependente do marido, ela vivia para o lar. Era humilhada pelo “provedor” da casa. Cansada de tudo, começou a fazer cursos on-line durante o dia, enquanto o marido trabalhava.

Sentiu-se motivada. Estudou informática, inglês e secretariado. Às vezes saía para algumas atividades presenciais. Nada contava ao marido.

Começou a procurar emprego. E conseguiu.

Com algum dinheiro em uma poupança que tinha desde solteira e que também ocultou do marido, poderia se manter em algum lugar, além do salário que receberia.

Iria para outra cidade.

Certa manhã, após ele sair para o trabalho, ela arrumou suas coisas e saiu. Saiu para a sua vida própria. Saiu em busca de sua liberdade. De sua dignidade. Sem olhar para trás.

Por Marilani Bernardes

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Sem olhar para trás…

Ela sentia-se perdida, sem rumo. Saiu para caminhar…

Quando se deu conta, viu-se entre montanhas, belas paisagens que a fizeram refletir:

— Quantas idas e vindas se fizeram por aqui?

Ela queria continuar. Mesmo sem forças, precisava decidir. Uma ponte que a levaria ao futuro, e que ao mesmo tempo a desligaria de um passado.

Ergueu a cabeça. Respirou.

No fundo sabia qual caminho era o certo.

Não poderia correr o risco de dar uma espiadinha no que passou. Não valia a pena.

Era preciso seguir em frente. Sem olhar para trás, sem olhar pelo retrovisor.

Por Elaine Melo

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Os trilhos
Quando criança, Gugu ia para a escola das freiras da sua casa na Vila Mariana até o centro da Cidade. Este caminho passava pelos trilhos, o que era uma aventura para ela e suas coleguinhas. Sem olhar para trás, saíam em corrida até chegar aos trilhos e eram apostas de quem conseguia pular os dormentes de madeira, quem conseguia caminhar nos trilhos sem cair, quem chegava primeiro e as gargalhadas ecoavam pelo silêncio. Não era fácil caminhar pelos dormentes de madeiras ou pelos ferros e ainda tinha os pedregulhos por este caminho. Qualquer passo em falso, se podia cair, se machucar ou torcer o pé.  Poderia ter perigos maiores ainda, como animais peçonhentos. Uma vez avistaram uma cobra gigante partida sobre os trilhos, o susto e o medo tomaram conta, mas por pouco tempo, logo já voltaram as brincadeiras divertidas. Raramente passava trem por ali, mas eles se cuidavam, porque uma vez aconteceu de passar e ficaram assustados com o bicho de ferro, barulhento, fumacento e gigante. Tinha a ponte que passava sobre um pequeno rio e que era mais perigoso, porque os dormentes de madeira estavam afastados uns dos outros. Gugu caiu uma vez, mas se segurou num dormente e os outros a puxaram. Tinha um atalho por debaixo da ponte que eles usavam algumas vezes. Também logo à frente havia a ponte seca, da qual os trilhos passavam por cima da rua. Nesta ponte, jamais se atreveram a chegar perto. Era perigosa demais e eles pequeninos para tal aventura. Era muito divertido ir para a escola, brincando sobre os trilhos que marcaram a infância e ficaram na memória de Gugu e seus coleguinhas.
Por Roselena de Fátima Nunes Fagundes

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As longas férias

O velocímetro do conversível vermelho marcava 180 km/h, e a única coisa que podíamos ouvir era o vento cortando nosso rosto. Nem conseguíamos falar, nem precisávamos: a sensação de liberdade e o senso de leveza eram notáveis em nossos rostos gelados. Estávamos descendo a serra para, finalmente, acampar depois de tanto tempo sem férias. O lugar onde ficaríamos era bucólico e calmo, tudo de que precisávamos. Minutos depois de acelerar mais – o marcador gritando – avistamos uma ovelha no meio do caminho e, ao desviar dela, infelizmente, não conseguimos permanecer na pista. Rolamos morro abaixo com o carro. Fomos socorridos muitos minutos depois do ocorrido e já não era mais necessária a ajuda. Olhei para o Nicolas e disse: “É melhor seguirmos nosso caminho em paz”. E não olhamos para trás, onde repousavam nossos corpos frios.

Por Gilberto Broilo