Coroa de flores e espinho

− O senhor poderia dar licença? − perguntei-lhe, ao ver aquele senhor caminhando solitário e cabisbaixo, pela rua da cidade.

Ele o olhou fixamente pra mim e respondeu:


− Essa pergunta você já me fez, lembra?


Nesse instante, nossos olhos ficaram marejados. Deixamos-nos levar pela  emoção.   Um   filme   perpassou   bem   ali, em nossa frente: a   família conturbada que o abandonara; a negligência e o desafeto total o conduziram ao flagelo da vida. Ele, assim como tantos, em toda parte, vivem em total abandono, à margem da sociedade. Muitos desses encontram na bebida a melhor companhia das noites gélidas do inverno congelante. A negligência favorece e dá lugar ao sofrimento. Estirados pela calçada, tendo como cobertor as estrelas e o tiritar do frio, sem afeto, sem teto, em total abandono, jogados à própria sorte, com seus corpos, mumificado  em  trapos.  

Naquela noite, o vento soprou mais forte as folhas, anunciando a chegada da primavera. As flores do jardim bailavam ansiosas para florescer. O aroma do perfume exalava  e acompanhava a sinfonia dos pássaros. A primavera, com toda sutileza, rendeu-se a tanta beleza. 


As rosas, em meio aos seus espinhos, testemunhavam e sentiam em suas pétalas o flagelo que açoitava aqueles que viviam à margem da sociedade, estigmatizados pela escassez em todas as dimensões: material; social; física e emocional.


Sobre   a rua de pedra, coberta com pétalas, lançadas pelo vento, na madrugada fria, aquele moço, com um olhar opaco, fixava o seu olhar, perdido no horizonte, porém, continuei, ali, insistindo para ficar ao seu lado e, mais uma vez, perguntei-lhe:

− O senhor poderia dar licença?

De súbito, o   seu   pulmão  se   contraiu   e   um   choro senil anunciou o desconforto. 


O cobertor fino e em trapos não foi suficiente para cobrir o frio da madrugada gélida. A vida não é fácil para aqueles que vivem à margem da sociedade e são estigmatizados. E aquele pobre homem, ingênuo, que carregava consigo uma eterna criança, esperava que, na entrada da estação das flores, que as coisas melhorassem; ledo engano! 

A   calçada  arrumada   com pétalas de todas as cores primaveris harmoniza o leito que iria receber o pobre coitado. O obituário de seus dias era anunciado. 


Que desumano! Quanta disparidade! Quanta desigualdade! Quanta injustiça!

Em   qualquer   estação;   em   qualquer   lugar,   uma   coroa   de   flores  e de espinhos representa a dor armazenada no íntimo de alguém que perdeu a dignidade, que perdeu o amor e  a esperança de um mundo melhor. 

− E eu, o anjo da noite, fiquei ali ao seu lado, sussurrando em seu ouvido:

− O senhor poderia dar licença?

− Beijei-lhe a face e fechei os seus olhos. 

Por Sandra Bertollo