Desejos na solidão

Olhou demoradamente para o espelho e percebeu o tempo refletido em suas expressões faciais. Nunca mais o tempo voltaria. Seus filhos, cada um com sua vida – médico, advogada e arquiteto – não poderiam ficar com ela. Pagavam uma moça muito gentil, Graziela. Uma moça muito querida, caprichosa, atenciosa. Chamava a dona da casa de “Dona Cotinha”, “senhora”, “querida”. Cota ficava horas no seu quarto, olhando televisão. Só aquele espelho que a obrigava a se lembrar das suas desgraças. Mas ela tinha um pedido aos filhos: fazer uma grande festa, convidando os parentes. Todos dançando, todos felizes, todos aproveitando o tempo que lhe restavam, inclusive ela, que estava “mais para lá do que para cá”. Os filhos diziam que não tinham tempo de organizar um festerê desses, pois moravam a léguas de distância, ainda em cidades diferentes. Nem em sua quase morte, os filhos não lhe obedeciam. Todos foram para caminhos diferentes dos que ela queria. Queria que seguissem nas artes, igual a ela. Mas o falecido marido não incentivava as artes. E os filhos, com medo de serem deserdados, seguiram nas profissões pré-determinadas. 

Umas semanas depois, estava se aproximando da sua festa de 80 anos. Nada dos filhos organizarem a festa. Nada de lhe avisarem sobre nada. Então, Graziela chegou no quarto e disse:

– Dona Cotinha, hoje é o dia do seu aniversário, talvez seus filhos venham lhe visitar.

A senhora estava triste e sem vontade de se arrumar, nem nada, pois os filhos comandavam tudo por ela. Mas, com a insistência da cuidadora, arrumou-se. Olhou-se no espelho, que já lhe ajudava, com uma aparência melhor. 

Uma hora. Duas horas. Três. Nada dos filhos. Resolveu dormir na cadeira de rodas. Acordou assustada. E viu seus três filhos lindos ao redor. Abraçaram-na. Todo o amor estava ali. Todos os sacrifícios estavam sendo recompensados. Os três levaram a mãe pela casa. Vazia. Ecos de suas vozes. Foram para o pátio lindíssimo, com flores multicoloridas. Uns quinhentos metros depois, chegaram no salão da família. Quando entraram, Dona Cotinha não segurou as suas lágrimas. Estavam todos lá… A festa foi até altas horas. Após, os filhos deitaram a mãe e ficaram juntos, relembrando, sorrindo, brincando. Em três dias, eram novamente ela, sua funcionária, o espelho e a espera pela morte.

Por Magno Machado de Freitas

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